Este artigo inaugura uma sessão mais técnica do Pelote Ciclismo, como estreia temos o professor Dr. Pedro Anselmo Filho ou para os foristas do fórum do pelote, PAF. O tópico de referência para o artigo iniciou-se em 2013 e tem 3336 mensagens, sendo um dos mais lidos do fórum.
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Desde abril que venho lendo artigos interessantes sobre W’ (potência de reserva ou limite de intensidade), W’bal (balanço de reserva ou balanço de intensidade) e CP (potência crítica). Recentemente, alguns fisiologistas da nova geração vem tomando o palco central nos rumos das novas descobertas no campo das adaptações fisiológicas ao exercício. Pesquisas de Anni Vanhatalo [1-3] e Louis Passfield [4-5] focam, principalmente, nas modificações da filosofia de treinamento frente às novas possibilidades que a popularização dos medidores de potência nos proporciona. Se você é novo nesse mundo de treinamento por potência, vou deixar algumas dessas definições para posteridade:
Potência Crítica: CP
É a potência crítica que um atleta consegue manter em um determinado intervalo de tempo (não confundir com FTP – Limite de Potência Funcional). Assim como outros termos utilizados por treinadores e atletas entusiastas, e.g. VO2max (volume de oxigênio máximo) e LT (Limiar de Lactato), o FTP se popularizou junto com os medidores de potência na prática do ciclismo profissional e amador. Muito além do limite “percebido”, o CP é o limite real a que todos nós estamos sujeitos quando fazemos exercícios de alta performance.
O CP é normalmente é mostrado como uma curva de potência em função do tempo, que desce rápido e estabiliza em um limite funcional que pode ser mantido quase que indefinidamente, assim como ilustrada abaixo, na Figura 1.
Balanço de Reserva: W’ e W’bal
É a quantidade de energia que um atleta pode manter acima da curva do CP. Para entender isso na prática, podemos fazer uma analogia bem fácil. Vamos supor que seu CP para 4-5 min seja seja em torno de 300W e seu W’ algo em torno de 16 kJ (16.000 J). Agora, imagine-se pedalando com o pelote num longão de domingo e todos vem num ritmo tranquilo (bem abaixo do seu CP) no plano, batendo papo. Na primeira subida, que dura uns 4 minutos (240 segundos), você leitor que aprendeu muito com esse post, já sabe que só vai conseguir manter cerca de 67W acima de seu CP para o tempo de subida (16.000 J/240 s = 66.7 W). Mais do que isso, você afoga e tem que baixar o ritmo. Menos, você sobe mais lento, chegando mais inteiro e não vai perder a roda do pelote se ele acelerar muito depois. A escolha é sua como vai queimar esse fósforo de energia. Isso é W’.
E agora que chegou ao topo vai precisar recuperar essa energia, mas isso requer algum tempo abaixo da curva do CP. E se estiver gastando energia apenas um pouco abaixo da curva do seu CP, vai recuperar mais lentamente do que se parasse para tomar aquela Coca-Cola gelada na barraca de seu Zé. Essa diferença entre o que tem para gastar e o tempo que leva para recuperar é o que chamamos de W’bal. Por causa da nossa fisiologia, cada um tem um limite de W’ e sua recuperação vai ficando mais lenta com o cansaço muscular (Isso merece um outro post).
Relação entre FTP, potência crítica e balanço de reserva
Já que estamos falando uma língua comum, como é que o nosso FTP se relaciona com tudo isso? Como o FTP é um limite funcional, existe muitos protocolos disponíveis para se definir a forma a qual cada um suporta esse limite. Tem-se discutido muito como melhorar esses protocolos, fazendo isso mais rapidamente ou de um jeito mais eficiente. O que realmente deve ser entendido é a necessidade de que todo treinamento estruturado por potência vai precisar de um valor máximo de referência para a definição das zonas de potência, pois são elas que preparam o atleta para as demandas do esporte. E aí que surgem todas as discussões à respeito da necessidade dos protocolos de definição do FTP.
Em um teste clássico de 20 min, buscando tirar o máximo de potência, podemos recrutar todas os recursos para que seja mantido o ritmo forte e quando não estamos acostumados ao protocolo, é normal iniciar com uma potência alta (queimando W’), recuperando após um período de fadiga, estacionando abaixo da curva de CP (W’bal) por alguns minutos. Isso faz com que o protocolo falhe na sua essência, pois nunca estaremos gerando potência no limite de fadiga muscular (MLSS – Estado Permanente Máximo de Lactato). Assim, outros testes de referências auxiliares eram comuns e necessários, como os protocolos para definição da curva potência, para a potência anaeróbia e outro para a potência aeróbia.
Para o atleta não profissional, acaba se tornando um fardo. Além de ser bem difícil gerenciar tempo de descanso, protocolos e a vida comum. Observando essa dificuldade, algumas empresas lançaram programas para definição instantânea das faixas de treinamento. Eu gosto muito dos algoritmos propostos pela Xert e pelo Sufferfest. Quando aumentamos o valor do FTP, conseguimos aumentar o limiar de W’ que podemos suportar, justamente porque condicionamos também a forma que lidamos com o esforço extremo através do condicionamento físico e mental.
Em nosso fórum, temos um tópico ativo bem legal em que discutimos todos os aspectos de se treinar com um medidor de potência e como podemos melhorar muito como ciclistas amadores. Dá uma chegada lá, participe! Seus comentários serão sempre bem-vindos. Um grande abraço e até a próxima.
Sobre o autor
Pedro Anselmo Filho é engenheiro mecânico e professor, com doutorado em combustão pela Universidade de Cambridge e mestrado em energia aplicada pela Universidade de Cranfield. Leciona para os cursos de Engenharia Mecânica e Automação e Controle da Universidade de Pernambuco (UPE) e nos cursos avançados da Escola Americana do Recife. Pedala sem rodinhas desde os 4 anos e ciclista entusiasta que gosta muito de estudar sobre potência. Seu email para contato é pedro.anselmo.filho@gmail.com.
Referências Bibliográficas
[1] Vanhatalo, A., Jones, A.M. and Burnley, M., 2011. Application of critical power in sport. International journal of sports physiology and performance, 6(1), pp.128-136.
[2] Jones, A.M., Vanhatalo, A., Burnley, M., Morton, R.H. and Poole, D.C., 2010. Critical power: implications for determination of VO2max and exercise tolerance. Med Sci Sports Exerc, 42(10), pp.1876-90.
[3] Black, M.I., Jones, A.M., Kelly, J.A., Bailey, S.J. and Vanhatalo, A., 2016. The constant work rate critical power protocol overestimates ramp incremental exercise performance. European journal of applied physiology, 116(11-12), pp.2415-2422.
[4] Ebreo, R., Passfield, L. and Hopker, J., 2019. The Reliability of Measuring Gross Efficiency During High Intensity Cycling Exercise. International journal of sports physiology and performance, 1(aop), pp.1-22.
[5] Kordi, M., Fullerton, C., Passfield, L. and Parker Simpson, L., 2019. Influence of upright versus time trial cycling position on determination of critical power and W′ in trained cyclists. European journal of sport science, 19(2), pp.192-198.
Parabéns pelo texto.
Obrigado, Lucinar.