Treinamento Indoor – Parte 1: Como você fica depois de um treino?
Quando o bom é ótimo!

Todos nós temos um percurso preferido, que conhecemos os detalhes, todas as curvas e as subidas. São essas rotas que servem para entender se os treinos estão fazendo efeito e se estamos evoluindo. Em um processo de retorno aos treinos, as dúvidas e as queixas são muitas: desde o bikefit até o condicionamento neuromuscular da cadência. Com alguns dados dos treinos indoor, tentei entender a dinâmica da pedalada e os números de potência gerados rumo a um FTP minimamente decente. Havia queixas de um grande desconforto na posição, que nem sempre se devia à geometria da bike em si. Pode ser o entravamento natural da idade (velhice mesmo) ou uma causa externa, como a recuperação de uma lesão ou a compensação muscular por fraqueza ou por vício postural. Aquela postura do pelotão Pro-Tour que vemos na televisão? Esqueça! Aquilo é para poucos.
Então, encontrei um excelente livro que fala só sobre o músculo psoas (veja a Figura 1). É um músculo que se origina no final da coluna torácica e vai até a coluna lombar e é muito exigido no pedal e, quando sobrecarregado, vira uma fonte comum de dor (devido à posição, ao volume ou ao desequilíbrio). Se depois de um pedal longo, as dores passam com os alongamentos, então está tudo certo.
Por que o psoas dói tanto no ciclismo?
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O psoas maior (junto com o ilíaco, formando o iliopsoas) é um dos principais flexores do quadril e também ajuda a estabilizar a lombar e a pelve.
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No ciclismo, você passa muito tempo com o quadril em flexão (principalmente em posição agressiva ou aero), repetindo isso com frequência. Se o ângulo do quadril fica “fechado” demais, aumenta a probabilidade de sobrecarga.
Quais problemas ele pode gerar (ou participar)?
Os mais comuns na prática são:
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Dor na virilha / na frente do quadril (piora ao levantar a coxa, subir escada ou fazer flexão do quadril contra resistência).
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Estalo/“click” na frente do quadril (snapping hip), devido ao atrito do tendão do iliopsoas.
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Tendinopatia/bursite do iliopsoas, que pode ser causa relevante de dor e disfunção do quadril.
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Dor lombar associada: quando o quadril está muito fechado e a pelve e a lombar compensam, a lombar costuma reclamar.
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Em quem já tem predisposição (ex.: impacto fêmoroacetabular), a mecânica do ciclismo pode piorar sintomas, e o bike fit vira parte do tratamento
Quando isso costuma acontecer mais
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Posição muito “compacta” (selim muito à frente, alcance muito alto, drop grande, etc.).
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Treinos longos em aero.
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Muito trabalho de subida pesada ou de baixa cadência, sem adaptação.
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Glúteos e core “desligados” → o corpo “cobra” do flexor do quadril para fazer o trabalho.

Figura 2 – Balanço de potência com a sapatilha Sidi Wire 2
Troca de Sapatilhas
Quando analisava os dados da dinâmica da pedalada, percebia que a perna esquerda apresentava, consistentemente, um arco de força defasado em relação à perna direita (Figura 2). Era como se o quadril estivesse rotacionando para compensar o esforço. Então, depois de algumas tentativas de ajuste dos tacos, a mudança de sapatilhas pareceu ser a mais lógica, pois a pisada continuava muito pronada (Figura 3). James Thomas é um dos melhores bike fitters de Londres e eu sempre vinha seguindo seus posts. Finalmente eu consegui uma sapatilha Lake para testar.

Comparando os dados, a troca da Sidi para a Lake não mudou muito o jeito de pedalar (ótimo), porque o balanço de potência ficou exatamente igual (49/51) e as fases de potência e de pico variaram só alguns graus, ou seja, praticamente nada; a diferença relevante apareceu mesmo na interface pé–pedal: o PCO caiu de +11/+13 mm (Sidi) para +4/+8 mm (Lake), com a maior mudança no lado esquerdo (-7 mm), indicando que o ponto médio de aplicação de força ficou bem mais centrado e, portanto, o pé mais estável no pedal; com menos tendência de carregar na borda e menos microcorreções de trajetória, o joelho e o fêmur precisam “ajustar” menos, a pelve fica mais estável a cada pedalada e isso reduz a demanda de estabilização no quadril, o que é totalmente compatível com a diminuição da dor no psoas esquerdo.
A mensagem final
A sapatilha nova não “curou” o psoas por mágica. Ela tirou um ruído do sistema: o pé parou de pedir socorro, e o resto do corpo deixou de improvisar. Esse tipo de ajuste fino é exatamente o que diferencia um fit “ok” de um fit que você consegue sustentar por meses sem dor.
Como sempre, obrigado por ler até aqui.
Se quiser, manda nos comentários: você já sofreu dores no quadril ou na região lombar nos seus pedais?
Um grande abraço!
Sobre o autor
Pedro Anselmo Filho, Ph.D., é engenheiro mecânico e pesquisador, com doutorado em combustão pela Universidade de Cambridge e mestrado em energia aplicada pela Universidade de Cranfield. Leciona os cursos de Engenharia Mecânica e de Controle e Automação da Universidade de Pernambuco (UPE). Pedala sem rodinhas desde os 4 anos e é ciclista entusiasta que gosta muito de estudar potência no ciclismo.
