A UCI mantém um seleto grupo de trabalho que discute mudanças no ciclismo, participam representantes das organizadoras de prova, transmissoras, equipes, ciclistas além da própria UCI. Em face do desenvolvimento e do conhecimento maior sobre os limites do corpo humano e do treinamento esportivo, algumas provas tornaram-se mais previsíveis e em busca de alternativas algumas propostas vem sendo colocadas na mesa. Durante a temporada 2018 alguns pontos foram ressaltados na mídia especialmente por diretores de equipe e ciclistas. Vou ao longos dos próximos dias analisar as principais sugestões para tornar as provas menos previsíveis.
Nesta semana Romain Bardet líder da Ag2r falou em favor de limitar o uso do rádio e até de banir os fones de ouvido:
“A verdade no que concerne, nas mentes de certas pessoas é a predizibilidade da corrida. A noção que a Sky pode vencer o Tour de France com qualquer de seus ciclistas é o que os organizadores tentam quebrar para criar cenários imprevisíveis. Eu penso que um mundo sem fones de ouvido seria uma coisa boa. Faria com que os ciclistas tivessem um pouco mais de responsabilidade (em relação a prova). Elevando o senso de perigo e tática. Para mim pessoalmente, eu penso que os fones fazem você mais passivo, esperando pela informação antes de fazer um movimento” Romain Bardet
O Rádio no ciclismo
O ciclismo é um esporte com resultado individual onde o coletivo da equipe é fundamental para o resultado. Para ocorrer o sincronismo da equipe o rádio tornou-se um instrumento fundamental. É pelo rádio que o diretor esportivo avisa o ciclista quando atacar, quando esperar por um colega, quando ajudar seu capitão e até quando comer. Tal movimento ocorreu em outra modalidade igualmente dependente do rádio, a Formula 1 onde em 2016 as equipes não puderam mais informar a seus pilotos uma série de ocorrências em prova. Não deu certo e no meio da temporada voltaram a ter liberdade para falar o que quiserem.
Como funciona a comunicação por rádio numa prova de ciclismo profissional
O processo de comunicação é simples, cada uma das equipes possui um transmissor que opera em uma frequência exclusiva para falar com seus ciclistas, o rádio possui também frequências comuns para falar com as demais equipes e também para o diálogo com a organização de prova e comissários. As equipes são informadas pela organização ou mesmo pelos próprios ciclistas quando há uma interferência na pista, um ciclista cai. Pelo comunicador os ciclistas são avisados também da passagem de carros pelo pelote onde o diretor de prova informa se o carro ou moto esta ultrapassando pela direita ou pela esquerda por exemplo. O sistema funciona muito bem e ele que garante algumas das facilidades dos ciclistas em prova:
- Alerta de acidentes, piso escorregadio.
- Lembretes de onde há uma curva perigosa.
- Notificação de quando comer, quando atacar, quando esperar.
- Pedidos de ajuda para substituição de roda ou bicicleta.
A principal justificativa para a proposta de limitar o uso do rádio recai sobre o domínio da equipe Sky sobre o pelote em grandes voltas. A equipe de Dave Brailsford usa da estratégia e disciplina de seus ciclistas como principal aliada para vencer provas. Para manter tal disciplina o diretor de equipe fala constantemente com seus ciclistas exercendo um controle sobre a performance da equipe. Se um gregário esta mal ele pode rapidamente ordenar uma inversão de posição para garantir o desempenho. Além disso pode coordenar seu líder, mesmo que ocorra um ataque de um adversário o diretor pode consultar uma planilha e dizer exatamente o que seu capitão deve fazer “ataca, segue, deixa ir embora”. Tudo isso trás ao ciclista a tranquilidade de pensar apenas em poucos aspectos da prova que é pedalar e manter-se alimentado, toda estratégia é relegada a equipe.
Limitar o rádio realmente mudaria o jogo?
As propostas para limitar o uso do rádio são muito semelhantes as adotadas e posteriormente abandonadas na Formula 1 em 2016. Fala-se em proibir estratégia por parte da equipe mantendo apenas alertas sobre a rota e distância para fuga. Isso realmente mudaria a prova? Eu penso que não! As melhores equipes e melhores ciclistas se adaptariam rapidamente a nova situação talvez até tirando maior proveito da situação do que equipes menos organizadas. Kwiatkowski no Tour de 2017 trocou de bicicleta com Froome na subida de Col de Peyra, não foi necessário o rádio para que ele tomasse tal atitude, ele já estava compromissado com a equipe. A diferença da Sky para outras equipes começa na própria escolha dos ciclistas, se o ciclista não tiver o compromisso de obedecer a estratégia da equipe ele esta fora. Limitar o rádio só acentuará essa diferença.
Tivemos em 2018 um Giro d’Italia fantástico e um Tour de France muito bom além de uma Vuelta num nível de disputa bem alto. O que só mostra que a grande dificuldade de organizadores segue em dar enfase ao meio de prova nas etapas planas. A TV fica sem muito o que mostrar quando ciclistas perseguem a fuga por 2h para terminar em sprint, mas também não se pode eliminar as etapas planas e deixar uma grande volta com metade da distância.