O FTP Morreu. Viva a CP!

Pedro Anselmo
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Antes de mais nada, calma. Nós ainda usamos o FTP como métrica.

O FTP (Functional Threshold Power) é ainda uma métrica importante e é a potência média máxima que um ciclista pode sustentar durante aproximadamente 60 minutos sem fadiga progressiva. Normalmente, é estimado por meio de um teste de 20 minutos, onde se calcula 95% da potência média. Serve para definição de zonas de treino. O FTP não representa um limiar fisiológico absoluto, mas sim uma aproximação prática da potência sustentável por uma hora. Por outro lado, a potência crítica (CP) representa a potência máxima sustentável por um período indefinido, sendo determinada matematicamente a partir de esforços máximos de curta e média duração.

O que isso significa então? Que você tem uma CP para cada tempo em cima da sua bicicleta. O cálculo da CP é mais complexo e normalmente utilizado por programas específicos, como o TrainingPeaks, WKO5 ou o GoldenCheetah.

Phil Skiba. Fonte: ListenNotes

Requer testes máximos de diferentes durações (ex.: 3, 5, 12, 20 minutos). A vantagem da CP sobre o FTP é que ela tem fundamento fisiológico mais sólido e permite modelar a exaustão dinâmica, enquanto que o FTP, pode ser influenciado por fatores externos (ex.: motivação, fadiga acumulada, protocolo de teste). Conhecendo-se a potência crítica, descobre-se outra métrica importante que é o W’bal (W’ balance). W’bal é um modelo usado na fisiologia do exercício para estimar a reserva de energia anaeróbica disponível durante esforços acima do limiar de potência crítica. Ele representa o decréscimo e a recuperação da energia anaeróbica ao longo do tempo com base na relação entre a intensidade do exercício e a capacidade do corpo de recuperar essa energia. Quando um ciclista pedala acima da CP, ele consome o W’bal. Quando pedala abaixo da CP, ocorre a recuperação do W’bal.

Então, treinar para aumentar o seu W’bal é a fuga da sobrada no pelotão aos finais de semana. O maior nome no estudo do uso do W’bal no ciclismo é o Dr. Phil Skiba. Ele foi um dos principais pesquisadores a desenvolver e popularizar o modelo de W’ balance, aplicando-o para prever o tempo até a exaustão e otimizar a estratégia de pacing em ciclismo e corrida. Se você quiser se aprofundar mais, os estudos de Phil Skiba podem ser encontrados em artigos científicos e livros como “The Secret of Running”.

Vamos considerar um exemplo prático para um ciclista que treina para uma corrida com ataques e subidas curtas e explosivas:


Cenário

  • FTP (Functional Threshold Power): 250W
  • Potência Crítica (CP): 240W
  • Capacidade Anaeróbica (W’): 20 kJ
  • Treino Planejado:
    • 3 minutos a 300W (acima da CP, consumo de W’)
    • 2 minutos a 200W (abaixo da CP, recuperação de W’)
    • Repetir 4 vezes

Cálculo e Interpretação

🔹 Primeiro Intervalo (3 min a 300W)

  • Potência acima da CP → consumo de W’
  • Taxa de consumo: P−CP = W
  • Energia consumida em 3 min: 60W × 180s =
  • W’bal restante: 20 – 10.8 = 9.2 kJ (quase metade do W’ já foi usado!)

🔹 Período de Recuperação (2 min a 200W)

  • Potência abaixo da CP → recuperação do W’
  • A taxa de recuperação segue um modelo exponencial com uma constante de tempo (τ), geralmente na faixa de 300-600 s dependendo da intensidade.
  • Se assumirmos τ=, após 2 minutos, recuperamos cerca de 4 kJ.
  • Novo W’bal: 9.2 + 4 = 13.2 kJ.

🔹 Após a Segunda Repetição

  • Novo consumo de W’ no esforço: 13.2 – 10.8 = 2.4 kJ
  • Novo W’bal após a recuperação: 2.4 + 4 = 6.4 kJ

🔹 Após a Terceira Repetição

  • Novo consumo de W’: 6.4 – 10.8 = -4.4 kJ ❌ (fadiga total!)

O que esse cálculo nos diz?

  • O ciclista não consegue completar o treino sem entrar em fadiga extrema na terceira repetição.
  • O tempo até a exaustão pode ser calculado observando quando o W’bal se aproxima de zero.
  • Para ajustar o treino, o ciclista pode:
    • Reduzir a potência do intervalo (ex.: 280W ao invés de 300W).
    • Aumentar o tempo de recuperação (ex.: 3 min a 200W ao invés de 2 min).
    • Treinar para aumentar o W’ (ex.: treinos de capacidade anaeróbica para expandir a reserva de energia explosiva).

Aplicação Real no Ciclismo de Estrada

  • Corridas com ataques e subidas curtas: O W’bal pode prever quando um ciclista vai quebrar, ajudando a planejar ataques na melhor hora.
  • Provas de resistência: Saber quanto W’ ainda resta pode indicar quando um ciclista precisa segurar o ritmo para não entrar em exaustão.
  • Treinos estruturados: Monitorar o W’bal em tempo real (usando softwares como alguns gadgets para o Garmin) ajuda a definir melhor os intervalos e estratégias de recuperação.

Louis Passfield

Louis Passfield. Fonte: University of Kent

É impossível falar sobre CP e W’bal sem lembrar do Louis Passfield. Passfield foi um renomado cientista do esporte, amplamente reconhecido por suas contribuições à fisiologia do exercício, especialmente na modelagem do desempenho em esportes de resistência, como o ciclismo. Seu trabalho foi fundamental para o desenvolvimento e aplicação dos conceitos da potência crítica e W’bal, ajudando a aprimorar modelos matemáticos que permitem prever a exaustão e a recuperação da capacidade anaeróbica durante esforços intermitentes. Além de publicar diversos estudos acadêmicos sobre desempenho aeróbico e anaeróbico, Passfield trabalhou com ciclistas de elite e atletas olímpicos, auxiliando na otimização do treinamento e no desenvolvimento de estratégias de pacing. Seu legado também inclui a influência sobre softwares e ferramentas de análise de desempenho, tornando suas descobertas acessíveis a treinadores e atletas ao redor do mundo. Como professor e pesquisador, ele também ajudou a formar novos cientistas do esporte, deixando uma marca duradoura na área da fisiologia aplicada ao ciclismo. A causa exata do falecimento de Louis Passfield não foi divulgada publicamente. De acordo com informações disponíveis, sua morte foi súbita e inesperada, ocorrendo em 10 de novembro de 2022, aos 55 anos. Discussões em fóruns online mencionam que ele estava ativo em seus treinamentos até pouco antes de sua morte, mas não fornecem detalhes específicos sobre a causa.

 

 

 

Plano para deixar de ser um peba (Aumente seu W’)

Assumindo um FTP de 250 W!

📅 Estrutura do Plano (6 Semanas, 3-4 Sessões Semanais)

🔹 2 treinos intervalados específicos por semana para desenvolver W’
🔹 1-2 treinos de resistência e endurance para manter a base aeróbica
🔹 1 dia de descanso total ou rolo leve


Semana 1-2: Construção de Capacidade Anaeróbica

🎯 Objetivo: Aumentar o volume de trabalho acima da CP, priorizando repetições curtas e intensas.

🔵 Treino 1 – Sprints Máximos (W’ Booster)

  • 5x 30s tudo que pode (~450-600W)
  • Recuperação de 4 min entre repetições
  • Z2 Endurance 30-40 min após os sprints

🔵 Treino 2 – VO2max e Tolerância ao Lactato

  • 4x 2min @ 120% CP (~225W)
  • Recuperação de 2 min entre repetições
  • 4x 1min @ 140% CP (~260W)
  • Recuperação de 1:30 min entre repetições

🔵 Treino 3 – Base Aeróbica (Longo)

  • 90-120min @ Z2 (~70-75% FTP, ~140-150W)

Semana 3-4: Expansão do W’ e Melhor Recuperação

🎯 Objetivo: Introduzir esforços sustentados e recuperação ativa para melhorar a taxa de regeneração do W’bal.

🟢 Treino 1 – Intervalos de Capacidade Anaeróbica

  • 5x 1min @ 130% CP (~240W)
  • Recuperação decrescente: 3 min, 2:30 min, 2 min, 1:30 min
  • Tente completar com o menor descanso possível

🟢 Treino 2 – Intermitente/Progressivo

  • 6x (40s @ 140% CP + 20s fácil @ 90W)
  • 4 min recuperação após cada bloco de 6
  • Fazer 3 blocos no total

🟢 Treino 3 – Longo com Subidas Explosivas

  • 90-120min Z2 com 5 x 1 min forte (~250W) intercalados

Semana 5-6: Simulação de Exaustão e Recuperação Avançada

🎯 Objetivo: Melhorar a resistência a esforços repetidos acima da CP e acelerar a recuperação do W’bal.

🔴 Treino 1 – Esgotamento de W’bal + Sustentação

  • 3x (3min @ 120% CP (~225W) + 5 min @ CP (~185W))
  • 4 min de recuperação entre blocos

🔴 Treino 2 – Sprints de Exaustão + Recuperação Dinâmica

  • 3x (1min all-out (~450-500W) + 3 min @ CP (~185W))
  • 4 min descanso entre séries

🔴 Treino 3 – Longo com Picos de Potência

  • Z2/Z3 2h com 3 x 30s explosivos (~600W) a cada 20 min

Semana que vem a gente conversa um pouco mais sobre treinamento. Obrigado por nos ler e até a próxima.


Sobre o autor

Pedro Anselmo Filho, Ph.D. é engenheiro mecânico e pesquisador, com doutorado em combustão pela Universidade de Cambridge e mestrado em energia aplicada pela Universidade de Cranfield. Leciona para os cursos de Engenharia Mecânica e Controle e Automação da Universidade de Pernambuco (UPE). Pedala sem rodinhas desde os 4 anos e ciclista entusiasta que gosta muito de estudar sobre potência no ciclismo.

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