Explorando CP e a relação de Potência-Tempo
Disclaimer: eu vou usar expressões como anaeróbico e aeróbico no lugar das apropriadas anaeróbio e aeróbio, meramente porque me soam menos cacofônicas
A base do conceito de CP é a relação hipotética de que qualquer X potência pode ser mantida por qualquer Y tempo. Na prática a gente percebe que não é qualquer potência, pois nos extremos tanto os valores de X e Y são deturpados pela matemática envolvida no modelo ou pelo contexto fisiológico envolvido. Isso quer dizer que é muito fácil tentar imitar os 500 W do Wiggo por 1 min que os 1500 W do Kittel por 1 segundo. Talvez se consiga o primeiro, mas o segundo não. Assim, o estado preconizado por CP na prática não existe, pois assume-se que somente o sistema metabólico encontra-se no limite aeróbico sem detrimento ao metabolismo muscular em si, ou seja, sem contribuição do sistema anaeróbico. Em outras palavras, CP seria um estado hipotético onde não se produziria metabólitos não dependentes de oxigênio que induzem a fadiga (acidose metabólica muscular) e, portanto, uma condição onde tal potência pode ser gerada "indefinidamente". No entanto, a fadiga ocorre por não apenas acidose metabólica, mas sim por uma série de outros fatores que incluem até motivação. Portanto, CP só existiria na prática se houvesse: integridade muscular (física) infinita do músculo; alimentação (nutrição) infinita ao indivíduo; motivação infinita; estabilidade da temperatura corporal; ventilação pulmonar infinita; entre outras que provavelmente se aplicariam aqui.
Então CP não é FTP? Definitivamente não parece ser. Na literatura há pouca conversa entre os defensores de CP e os defensores de FTP. No entanto, qdo eles batem um papo, aparentemente um grupinho gosta de assumir que CP60 é "primo-irmão" do FTP. CP60 difere de CP, pois agrega o W' do intervalo de 60 min, ou seja, é um esforço acima de CP que usa a capacidade anaeróbica no intervalo de 60 min. Aí mora o perigo e o motivo deste post: CP60 é extremamente dependente de CP, mas qual o impacto de W' nesse parâmetro? Se eu utilizar CP60 como meu FTP, posso ignorar o W'? Entre dois indivíduos, quem tiver CP maior vai ter mesmo CP60 maior? Essas foram as dúvidas que surgiram na minha cabeça. Mas antes de aprofundar isso, vamos a mais um tópico.
Um pressuposto de Coggan e de mtos vários autores é de que um indivíduo de alta capacidade aeróbica deve ter baixa capacidade anaeróbica. Isso explica pq um sprinter tem alto poder Neuromuscular, mas baixo FTP enquanto um contrarrelogista tem o contrário. O conceito da curva de CP sempre me deixou um pouco receoso, pois como eu poderia estimar valores próximos a FTP de esforços mais próximos do anaeróbico? Como posso ver um aumento no meu FTP (por treino) a partir de testes no anaeróbio? Essa dúvida e as de cima podem ser explicadas nos exemplos abaixo.
Vamos imaginar um indivíduo que fez apenas três testes: 1 min (450 W); 2 min (330 W); e 5 min (270 W). Segundo Coggan, todos estes esforços estão acima do FTP, sendo o último o mais dentro da faixa esperada para VO2Max, portanto mais anaeróbicos que aeróbicos. Usando o modelo de CP, este indivíduo teria uma CP de 226 W com W' de 13.0 kJ. Isso dá um CP60 (que eu vou chamar eventualmente de FTP) de 230 W. Nestas condições, CP60 é 1.76 % maior que CP. Digamos que com o treino focado nos esforços aeróbicos estimule um aumento na potência de 5 min em 5%, passando de 270 W para 283.5 W. A nova regressão traz agora valores de CP de 244 W e um W' de 11.4 kJ. Isso dá um CP60 de 247 W. Nestas condições, CP60 é 1.22 % maior que CP. Analisando em detalhes percebemos que um aumento na potência de 5 min empurrou CP para cima (aeróbico) e jogou W' pra baixo (anaeróbico), oq é esperado fisiologicamente pela relação citada acima. Neste caso, CP60 é mto parecido com CP, pois o componente anaeróbico da relação foi minimizado. Isso exemplifica o motivo pelo qual alguns autores (como o próprio Coggan) não concordam com o "número mágico" de 95% do teste de 20 min ser o FTP. Talvez pra alguns, esse número deveria ser maior e pra outros menor, pois dentro dos 20 min all-out deve haver sempre uma contribuição do metabolismo anaeróbico na potência média e, sendo ela diferente pra cada um, isso pode subestimar ou superestimar o FTP.
Agora imaginemos um cenário onde ocorra um aumento de 5% na potência gerada em 1 min, 2 min e 5 min, fruto do treino focando tanto anaeróbico como aeróbico. A CP ficaria estimada em 237 W e W' em 13.6 kJ. A CP60 ficaria em 241 W, ou seja, 1.68% de CP. Desta vez, tanto CP qto W' sobem e o impacto da W' na CP60 aumenta novamente. Mas no geral, o que viu-se acontecer? Qdo foca-se no aeróbico vemos um aumento de CP de 7.9 %, mas um aumento menor na CP60 de 7.3%. Isso pq W' caiu quase 12% comprometendo CP60. Focando no anaeróbio e aeróbio, a CP subiu 4.8% e a CP60 subiu 4.7%, isso pq W' subiu 4.9% compensando o aumento menor de CP. Fica claro que CP60 vai ter um maior aumento sempre que CP for favorecida no lugar de W'. Por isso o foco no aeróbico tende a: aumentar CP e CP60, diminuindo W'. Entretanto, treinar o anaeróbico também traz benefícios à CP60, mesmo que aumentando menos a CP, pois aumenta W' e a participação de W' na CP60.
Agora, mais do que nunca, começa a fazer sentido pra mim pq é tão importante treinar não apenas o aeróbico quando se quer aumentar o FTP. É claro que a resposta pode ser maior, num primeiro momento, mas isso vai minar sua W'. O Matt Botrill, por exemplo, é um excelente contrarrelogista com CP estimado em 416 W e W' de 25.6 kJ!!! Aqui no tópico eu mostrei as estimativas do Wiggins de CP em 449 W e W' de 25.8 kJ. Por isso esses caras vão bem em longos TT, mas tbm em distâncias mais curtas como os 4 km da perseguição (Wiggins) ou 10 milhas (16.1 km; Botrill) pq tem alguma capacidade anaeróbica pra "bombar" outros "CPs" como CP4 (4 km) ou CP20 (16.1 km).
Vendo a contribuição que W' faz a "CPX" (CP num X período de tempo) eu recomendo a leitura deste artigo:
http://www.fietsica.be/Grand_Tour_Champions.pdf" target="_blank
Neste artigo há uma excelente estimativa de CP, CP20, FTP (CP60) e AEC (Capacidade anaeróbica = W') de vencedores de GTs baseados nos "radares" do pessoal da ChronosWatts e mostrando que analisar somente os valores puros de potência em cada subida não dizem mta coisa (no texto o cara praticamente diz q não vale NADA haha). Além disso, consegue-se ver aquilo que comentei acima que FTP não é sempre 95% de 20 min e que CP alto nem sempre garante um FTP alto.
E a conclusão mais foda: o Contador de 2009 foi o foda da década em termos de alta capacidade aeróbica e anaeróbica combinadas
