
Por Fernando Blanco:
OLEG TINKOV FALA SÉRIO PELA PRIMEIRA VEZ
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STEFANO FELTRIN É O NOVO DIRETOR ESPORTIVO

Nas últimas semanas o riquíssimo milionário russo Oleg Tinkov veio a público falar mal de Bjarne Riis, de seus ciclistas e, estranhamente, da Dinamarca e seu povo. Algo totalmente fora de propósito.
Mas agora ele veio a público, como sempre pelas redes sociais, para falar de ciclismo e sobre o lado econômico do esporte. Como sempre atirado e sem papas na língua, Oleg entra em terreno pantanoso, perigoso. Ele expõe um problema clássico do ciclismo: por que as equipes e os ciclistas não levam uma fatia dos milionários contratos com a TV?
Eu imagino o que ele diria se soubesse que aqui a Globo nem cita o nome das equipes. Algo como: "Ataca Contador, da equipe russa de amarelo-azul, perseguido de perto por Purito Rodriguez, da outra equipe russa, vermelho e branca." E que as equipes daqui acham isso legal, normal ...
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Por Oleg Tinkov
“Aqui está o tenho a dizer: o ciclismo mundial precisa mudar … ou morrer, ou apenas viver de escândalo em escândalo por mais uma década enquanto olhamos equipes virem e irem. Esta é a situação, em que equipes não tem receitas [ndr: garantidas], apenas enormes despesas que seriam impensáveis em outros esportes profissionais. As equipes dependem 99% da receita de patrocínio e este modelo não é viável nem sustentável. Esta é a origem do doping, os intermináveis escândalos e a sombra sobre este esporte maravilhoso. O paradoxo é que o ciclismo é o segundo esporte mais popular do mundo, atrás do futebol, mas ao mesmo tempo é o mais pobre...
Por que isso acontece? Eu tentarei analisar o problema. É assim que a corrente deveria funcionar idealmente:
• Receita (de televisão e participação nas corridas) para as equipes
• Organizadores de corridas deveriam receber mais da TV
• Canais de TV deveriam ter mais espectadores e patrocinadores
• Corridas se tornarem um show interessante – isto é entretenimento
• Uma competição de estrelas de ciclismo seria criada para aumentar a audiência (vejam a experiência da F1)
• TODAS (!!!) as estrelas do ciclismo deveriam participar destas provas (aqui nós deveríamos olhar a experiência do tênis)
Naturalmente nós deveríamos olhar o funil de baixo para cima. As pessoas precisam ver as corridas ao invés de dormir a 'siesta' na Europa Continental.
Nós precisamos achar um jeito de tornar as pessoas interessadas durante etapas longas e sem graça. Nós provavelmente deveríamos fazê-las [ndr: as etapas] mais curtas e transmiti-las mais tarde, quando tivermos batalhas de verdade.
Nós precisamos tornar as corridas mais interessantes e pensar em novas [ndr: corridas]. Uma ideia: GP Mônaco no sábado, antes do GP de F1, e vender assentos em arquibancadas que já estão montadas. Mas seria importante que todos os melhores sprinters estivessem presentes para este tipo de evento – os melhores escaladores deveriam participar de todos os Grand Tours. Foi por isso que eu propus o Grand Tour Challenge, que provocou tamanha discussão acalorada – que me deixou muito feliz! Se você que ter um show de verdade, você precisa ter os melhores competindo contra os melhores. Nós devemos, definitivamente, reduzir o número de corridas – ninguém está interessado nestas corridas provincianas que não tem cobertura da TV. Aqui eu estou falando das equipes World Tour – eu acho que as equipe com status menor podem participar nas corridas locais, então elas têm um lugar no esporte.
De novo, tudo vem deste idiótico “ciclismo histórico”. Eu concordo com Fabian Cancellara – quem precisa desta tradição tipo “faça o que o meu avô fez”. Espanha, Itália, França, Bélgica estão travados no paradigma do século XX – isto é um anacronismo no tempo da internet, iPhone, mobilidade em massa e abordagem expandida do esporte e da vida em geral. Naqueles tempos você precisava pedalar uma bicicleta sem marcha e trocar uma lâmpada amarrada no guidão. Nós precisamos reduzir o número de corridas [ndr: do World Tour], reduzir a duração delas e torna-las mais agradáveis para o telespectador. Por exemplo, nós poderíamos fazer mais corridas criterium em torno de cidade etc.
O ciclismo precisa mudar. A era de Sainz, Bruyneel e Riis acabou – eles estão travados nos anos 1900 e isso não é necessariamente sobre doping. Eles apenas não percebem coisas obvias e não sabem como gerenciar equipes de forma moderna. Gerenciar uma equipe não é apenas enviar instruções pelo rádio do carro, ou enfeitiçar ciclistas, onde Riis é insuperável. Gerenciar uma equipe tem a ver com o chato e monótono trabalho no escritório. A era da trabalho monótono e meticuloso dos gestores de equipe chegou – pessoas como Dave Brailsfor e, eu espero, o nosso novo diretor Stefano Feltrin.
Dirigir a equipe e seus ciclistas desde a preparação deve ser feita a partir da matemática e análise estatística, ‘data mining’. A ciência do esporte hoje manda. Os vencedores de hoje não são os que mais treinam mas os que treinam do jeito certo, não alguém que injeta EPO, mas aquele que tem uma dieta saudável, que consome os nutrientes certos antes, depois e durante uma longa sessão de treinamento.
É por essa razão que eu não estou considerando uma imensidão de ofertas de “substitutos de Riis” que tem me inundado de todas as partes do globo Nós não precisamos destas ofertas – este é o jeito antigo e não é sustentável.
Nós temos alguns dos melhores ciclistas do pelotão, nós temos uma tremenda equipe de treinadores e especialistas e, hey, ciclismo é um esporte em equipe – não nos esqueçamos disso. Então eu acredito na minha equipe – Tinkoff-Saxo e nossa equipe que tem a mesma visão. Nós não precisamos um diretor ‘pop star’ – nós somos uma equipe de estrelas do ciclismo mundial: Stefano Feltrin, Steve de Jongh, Sean Yates, Bobby Jullich, Daniel Healey etc. e juntos nós transformaremos nossa equipe numa Super-Equipe.
Mas naturalmente se o ciclismo não se modificar como eu escrevi acima, então isso será mais difícil. E tudo continuará como hoje – cada um por si lutando para salvar a própria pele. Eu conclamo todas as equipes para se unirem e estabelecerem novas regras para o jogo, para influenciar a UCI e os organizadores de corridas. Eu imagino que isso é uma tarefa difícil, e que será necessário ser mais ‘dono de equipe’ do que um antigo ciclista que conseguiu um patrocinador e sobreviveu, ganhando um milhão por ano.
Eu acredito no meu esporte favorito e acredito na dialética da vida também ...” (FIM)
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Por Fernando Blanco:
O homem falou um monte de verdades, a começar pelo amadorismo de quem manda no ciclismo de hoje (e de sempre) e, principalmente, porque o nosso esporte é tão pobre. Já pensaram que é um esporte/negócio que é ruim pra todo mundo?
Ciclista ganha pouco, organizador de corrida ganha pouco, lojistas e fabricantes ganham pouco, os emergentes operadores turísticos de ciclismo ganham pouco ... é um esporte em que se trabalha muito e se ganha muito pouco.
A visão dele é transformar o ciclismo em algo parecido com os milionários mundos da F1 e do tênis (ATP Series). Por outro lado, ele quer mexer em dois vespeiros: (1) Direitos de TV, (2) Tradições do ciclismo.
O que pensam deste super desabafo/proposta de Mister Tinkov? O que ele diz tem a ver com a situação do ciclismo brasileiro? Vamos debater !!
Photo: imagem dele na Blommberg. E ali só aparece quem entende de dinheiro.
Fonte: Fernando Blanco - Ciclismo PRO (Facebook)