"LeMond foi um ciclista limpo; Ullrich talvez poderia ter sido."
“Escrevendo com a intenção de compartilhar a minha compreensão do que aconteceu em torno de LeMond, com base em citações atribuídas à ele na imprensa e de nossas próprias discussões. Estas são opiniões pessoais e crenças - não se trata de uma verdade absoluta.
Dito isso, acredito que a consciência de LeMond sobre o assunto doping é muito mais sutil do que a de um "simples garoto de Nevada”. Talvez no início de sua carreira, ele apenas tinha um idéia vaga do “cardápio completo” de substâncias para aumento de desempenho existente, embora nos últimos anos em que competiu certamente já estava ciente do que se passava (ndt - a teoria dos 2 pelotões começa aqui ).
Essa compreensão formou a base para a sua decisão de se aposentar. Ele havia percebido que, independente do grau de degradação de sua própria condição física, prejudicada pelos efeitos do acidente de caça que quase o vitimou (algo que ele daria menos ênfase uma década após deixar o esporte), o doping sofisticado e perigoso permitiu que ciclistas previamente anônimos como Chiapucci se transformassem em pseudo puros-sangues.
Hoje em dia, em diversas palestras que ministra pelos EUA, LeMond exibe uma clara compreensão retrospectiva do que estava acontecendo ao seu redor durante os anos de 91 à 94 ( ndt.: Indurain entre tantos outros ).
Para registro, acho que Armstrong era um ciclista talentoso e igualmente dotado, embora com qualidades diferentes. Assim como em sua adolescência foi um triatleta fenomenal, batendo os melhores profissionais da época, LeMond foi um milagre da natureza criado por uma força maior para ser o melhor ciclista de Grand-Tours de sua época, dotado de habilidades naturais genuínas.
De acordo com o esta publicação da revista eletrônica Men’s Journal http://www.mensjournal.com/magazine/gre ... d-20130318" target="_blank), "Durante a dúrissima etapa de Monte Tamalpais nos arredores de São Francisco LeMond, então com 15 anos de idade, ficou em segundo lugar, perdendo apenas para o grande George Monte, que havia terminado em sexto lugar alguns meses antes nas Olimpíadas de 1976." Pura Classe.
O ciclista que você é quando tem 19 ou 20 anos, é o ciclista que você vai ser quando tiver alcançado seus 28, 29, 30 anos. Assim, alguém destinado a vencer o Tour, no auge de sua carreira será competitivo em - ou pelo menos mostrará sua aptidão para - esse tipo de prova logo nos primeiros dias.
Aplicando esse raciocínio à carreira de LeMond, o vimos vencer o Dauphine em 83, conquistar o terceiro lugar no Tour em 84, o segundo em 85, e, finalmente, pela primeira vez em 86 sagrou-se campeão com a idade de 25 anos. Da mesma forma, Fignon, nascido em 1960, vence o Tour em 1983 e 84, terminando em 7° em 87. No ano seguinte apenas terminou a prova.
Compare esses resultados com os de Armstrong que, embora tenha sido capaz de vencer uma etapa em 1993 durante sua primeira participação no Tour, era considerado um anônimo como futura esperança de lutar pela classificação Geral (ndt.: prova disso são as primeiras participações do Armstrong no Tour - 1993 – abandono na 12ª etapa ocupando a 97 posição na classificação geral; 1995 – 36º a 1h28m; 1996- correu apenas 5 etapas). O Próprio companheiro de equipe de Armstrong, Phil Anderson (profissional credenciado, que aos 24 anos conquistou o 5° lugar no Tour e novamente 5° em 1985), afirmou o seguinte numa entrevista: "Ele era um ciclista destinado a provas clássicas de um dia. Jamais pensei que ele pudesse vencer o Tour de France. Ele mesmo cogitou que nunca poderia vencer o Tour. Não podia escalar e não era forte em contra-relógio, duas coisas que você tem que fazer para ganhar o Tour".
Não é necessário resolver um teorema de Leibniz para perceber quem apresenta ou não talento prematuro para a prova de múltiplos dias mais difícil do mundo. Os próprios aspirantes à Classificação Geral têm capacidade de observar e detectar futuros adversários e ameaças com base em suas próprias experiências e observações.
Por que vocês acham que houve tanta incredulidade por parte do público ao constatar o domínio de Bjarne Riis no Tour de 96, após ter apresentado um desempenho completamente ordinário nos anos de 89 e 91, completando a prova em 95° e 107° respectivamente? Em 25 de maio de 2007, Riis emitiu um comunicado afirmando que cometera "erros" no passado, confessando, em entrevista coletiva para a imprensa, ter tomado EPO, hormônio de crescimento e cortisona entre os anos de 1993 a 1998, inclusive durante sua vitória no Tour de France 1996.
Sem EPO, Bjarne Riis = bom ciclista, mas um anônimo em provas de GT, mal atingindo o top-100 no Tour em 89, enquanto LeMond já mostrara seu talento como o melhor ciclista de Grand Tours da era moderna. Com EPO, o grande dinamarquês terminou em 5º lugar em 1993, 14º em 1994 e 3 em 1995, antes de sagrar-se “campeão” em 1996.
Em um mundo hipotético livre de EPO, transfusões sanguíneas e outros potentes vetores de oxigênio, ou você nasce capaz de vencer o Tour, ou não. Lance Armstrong não seria capaz, embora tenha nascido para ser um bom profissional. Nunca teria sido um candidato para conquista de um Grand Tour (ndt - Isso ele mesmo confessou para a Oprah na entrevista-confissão).
Talvez seu ego não tenha sido capaz de suportar o fato de que jamais seria como LeMond no "mais importante evento ciclístico do mundo". Mas quem quer saber? Quem se importa com isso? Sabemos que Roche e Delgado se dopavam, mas nenhum deles jamais precisou do tipo de programa de doping adotado por Riis, Armstrong e mesmo Indurain – ciclistas que não tinham talento natural para vencer Grand Tours, mas que com um regime cuidadoso de doping, conseguiam sustentar adicionais 5 a 10% de potência, suficientes para ter vantagem durante uma prova de três semanas (essa margem pode ser supostamente aumentada, em razão do período menor de recuperação necessário em atletas que fazem uso de EPO).
Acredito ser altamente provável que Indurain tenha se dopado. No entanto, deixo claro tratar-se apenas de minha opinião e não tenho conhecimento direto de quaisquer atividades ilícitas por parte do ciclista de Pamplona. Contudo, seu “pedigree” para Grand-Tours é tão suspeito como o de Riis, e o “timing” de sua evolução se encaixa perfeitamente com a introdução de EPO no pelotão europeu:
1985: abandona a competição na 4ª etapa;
1986: abandona a competição na 8ª etapa;
1987: 97ª colocação na classificação geral;
1988: 47ª colocação na classificação geral;
1989: 17ª colocação na classificação geral;
1990: 10ª colocação na classificação geral;
1991: 1ª colocação na classificação geral.
O próprio Thomas Davy, ex-diretor esportivo da equipe Banesto, testemunhou em juramento que durante o seu mandato (1995-96), houve um programa de doping organizado, cujo incluia EPO. "Na Banesto", disse ele, "havia um sistema de dopagem com supervisão médica." Claro que isso não é uma acusação ou denúncia contra Indurain, mas é difícil de ignorar provas circunstanciais como essa.
Paradoxalmente, Jan Ullrich, confirmado como ex-cliente do Dr. Fuentes (Operação Puerto) através de exame de DNA, encontrado em amostras de sangue em nove bolsas de transfusão diferentes, poderia ter sido um talento natural como Lemond, mas que teve a infelicidade (partindo da perspectiva de alguém que pudesse dar valor a oportunidade de competir e vencer no ciclismo profissional sem ter que manipular o próprio sangue) de ingressar no ciclismo profissional no auge da “epidemia” de EPO e estrear no Tour de 1996, ao lado de um dopado incrivelmente bem-sucedido. Pouco tempo depois teve que competir contra o dopado de maior sucesso de todos os tempos do Tour: Lance Armstrong. (nda – Pantani também se encaixa nesse perfil).
Em 1993, aos 19 anos, Ullrich venceu o Campeonato Mundial de Estrada ainda como amador. Em 1994, foi terceiro no mundial de contra-relógio, terminando atrás de Chris Boardman e de um completamente anônimo Andrea Chiurato da Itália. Em 1995, com apenas de 21 anos de idade, Ullrich se tornou o campeão alemão de contra-relógio na categoria Elite. Isso mesmo, Elite e não Sub-23!. De 1996 em diante, temos toda a história de insinuações, acusação, reclamação, pedido revisional, negação, blá, blá, blá, até o dia de sua formal confissão.
Resumindo: Greg Lemond = limpo, livre de drogas, talento natural e pura classe.
Lance Armstrong = naturalmente talentoso para provas clássicas de um dia e psicopata aparente, tão motivado para vencer o Tour de France e consagrar-se no panteão dos grandes nomes do ciclismo em detrimento de seus concorrentes - e compatriotas - que supostamente ameaçou gerar falsas acusações de uso de EPO contra Greg LeMond, a fim de tentar estancar as críticas da associação de sua imagem com Dr. Michele Ferrari - acusado por Filippo Simeoni de gerir seu programa de doping”.
Por tudo o quanto exposto, onde entra Chris Froome nessa análise?
Roberto Smera.
