ANDY SCHLECK PÕE FIM À SUA AGONIA CICLÍSTICA
Por Fernando Blanco
Após 3 anos de muita frustração, o luxemburguês de apenas 29 anos anunciou o fim de uma carreira que prometia muito mais do que atingiu.
Tudo começou em 2005, quando um outro Schleck (Frank) apareceu na cena profissional internacional, com ótimas colocações em algumas das mais duras corridas do mundo: aos 25 anos de idade, Frank foi 2º no Tour do Mediterrâneo, 7º da Paris-Nice, 4º do Tour de Suisse, 2º no Giro di Emilia e 3º no Giro de Lombardia. Ou seja, foi consistente de março a outubro.
No ano seguinte, Frank foi ainda melhor. Ele voltou a andar forte nas Clássicas, vencendo o Amstel Gold Race e ficando em 4º na Flèche, 7º em Liège e na Lombardia. Mas o luxemburguês também participou do seu primeiro Tour de France e causou “frisson”: foi 10º colocado e venceu a etapa de Alpe d’Huez. Lembro-me bem do seu ataque nos Km finais, trazendo junto um então forte Damiano Cunego (que era muito rápido nos sprints em subida) e batendo-o na força.
Frank virava promessa de vitória em Grand Tour e queridinho da imprensa, mas uma vez ele declarou na TV: “Se vocês me acham bom, não sabem o que temos lá em casa. Este sim será um grande campeão”. A esta altura, poucos sabiam da existência do irmão mais jovem, Andy.
MENINO PRODIGIO – voltando um pouco no tempo, em 2004 o mundo vibrava com a interminável sequência de vitórias de Lance Armstrong no Tour de France. Também assistia surpreso a vitória de Damiano Cunego no Giro, batendo seu líder e favoritíssimo Gilberto Simone (ambos da Saeco).
E um jovem de 18 anos chegava para correr no VC de Roubaix, equipe amadora de imenso prestígio na França: Andy Schleck. Ali em Roubaix o jovem Andy seria identificado pelo lendário Cyrille Guimard (homem que levou Van Impe, Hinault e Fignon a vencerem o Tour de France 7 vezes – a 5ª vitória de Hinault não foi com Guimard). O veterano treinador disse, na época, que Schleck seria o próximo Fignon.
Mas como não costumamos seguir ciclistas jovens demais ninguém deu muita bola. Neste mesmo ano Andy venceu a dura Route du Sud, correndo com profissionais muito mais rodados. Isso chamou a atenção de Bjarne Riis, então dono da CSC (que depois virou Saxo Bank), que o contratou para a equipe de estagiários.
Em 2005, antes de completar 20 anos, o Schleckinho venceu o campeonato nacional de contra-relógio e foi 3º na prova de estrada (o irmão Frank foi campeão). E não foi muito além disso. Veio 2006 e ele venceu duas etapas do Tour da Saxonia (Alemanha), incluindo a Rainha da prova. Foi quando Frank fez aquela declaração que eu comentei aí em cima.
Junho de 2007 – Andy Schleck debuta num Grand Tour: após um 8º lugar na geral do Tour de Romandie, tradicional corrida preparatória para o Giro, o irmão mais novo de Frank (que já era um ciclista de ponta) partiu para encantar o mundo.
Foi um Giro empolgante, com vitória de Danilo “Killer” Di Luca, que precisou se virar do avesso para resistir e contra-atacar a ‘armada’ Saunier-Duval. Os amarelinhos tinham um já veterano Simoni, mas também os grandes escaladores Piepoli e a jovem promessa Riccò: eles venceram uma etapa cada, contra duas de Di Luca.
Há anos que todos esperavam uma vitória do abruzzo Di Luca, que era muito querido na Itália. E ele, de fato, venceu bonito, com 1’55” de vantagem sobre o Maglia Bianca da prova, a super revelação Andy Schleck. O garotão também 8º nas classificações por Pontos e da Montanha, mostrando grande talento e regularidade.
Eu assisti este Giro diariamente pela RAI e Schleck andou na ponta o tempo todo. Atacou pouco, mas atacou!
Nota: vivíamos o auge do doping e em seguida vimos o que aconteceu com Di Luca, Riccò, Piepoli, Petacchi (vencedor por Pontos e 4 etapas) e tanto outros.
Nascia uma nova esperança no ciclismo mundial, um futuro campeão de Grand Tour, um sucessor de Armstrong e tudo aquilo que a mídia e nós mesmos criamos, por paixão ou interesse. Só que no mesmo ano de 2007, um monstro com um pouco mais de idade venceria o Tour de France: Alberto Contador levou o Jaune e o Blanc de melhor jovem também. E aí começou o azar da carreira de Andy Schleck.
Andy era um ciclista estupendo, mas teve como contemporâneo um gigante do esporte. O espanhol escalava tanto quanto ele, rolava muito mais e era mais consistente, deixando para Schleck o papel de melhor entre os demais.
A história do ciclismo é marcada por grandes nomes, que tiveram o azar de correr contra monstros sagrados. Exemplos parecidos: Gimondi contra Merckx, Zoetemelk contra Hinault, Bugno contra Indurain, Ullrich contra Armstrong.
E assim seguiu a sua carreira, ficando em segundo lugar nas edições 2009, 10 e 11 do Tour de France. Graças à posterior desclassificação de Contador, Andy herdou o Maillot Jaune do Tour 2010, mas ele foi elegante e declarou que só estaria feliz quando vencesse o Tour na estrada.
Nas Clássicas brilhou em 2009, ao vencer a Liège-Bastogne-Liège (em outros anos ficou em 3º, 4º e 6º lugares), além de pódios na Flèche Wallone, Giro di Lombardia e Amstel Gold Race. Mas a sua falta de sprint lhe custou muitas vitórias.
FINAL TRISTE – a partir de 2012 foi um festival de tombos, (supostas) noitadas e encrencas com o patrão (ele já tinha aprontado com Bjarne Riis na Vuelta 2011). Andy nunca mais reencontrou o ritmo do passado e passou os últimos 3 anos requentando promessas de um grande retorno e desculpas para seus insucessos.
O ciclismo profissional não é esporte para quem não tem os joelhos em ordem e isso pode ter sido a verdadeira razão do seu fracasso final. Mas também é muito comum dar aquele “clic” e a cabeça não obedecer mais, parando de dominar as pernas. Treinos erráticos, indisciplina alimentar, aquela festa a mais ... e não há carreira que resista.
Andy Schleck entrou no pelotão profissional em fanfarra e sai pela porta dos fundos. Justo? Injusto? Já fui fã, já critiquei e hoje estou meio triste com isso. Ele certamente não está feliz e o ciclismo perdeu mais uma fera que poderia estar brigando com Contador, Froome, Nibali e Quintana pelos pódios dos Grand Tours.
O GRÃO-DUCADO DO LUXEMBURGO é um pequeno (e riquíssimo) país encravado entre Bélgica, Alemanha e França, e que fala um idioma que mistura tudo isso. A principal atividade do país é um sistema financeiro especializado em “private banking”, que administra centenas de bilhões de gente bilionária.
E volta e meia produz alguns bons gregários, um ou outro vencedor e raramente um grande campeão.
No início do século passado tiveram Nicolas Frantz (1899 – 1986), bicampeão do Tour de France (e dois segundos lugares), além de uma Prata e um Bronze em Mundiais. O pequeno Grão Ducado precisou esperar 30 anos para ter outro grande campeão. Mas que campeão ...
Charly Gaul (1932 – 2005), conhecido como Anjo das Montanhas, era idolatrado por todos na Europa, em função da classe com que escalava aqueles cols pessimamente pavimentados. Venceu o Tour em 1958 (e mais dois 3º lugares) e o Giro d’Italia de 1956 e 1959 (e dois 3º lugares). Somou 21 etapas de Grand Tours, sendo 10 na Grand Bouclé e 11 no Corsa Rosa.
Ao parar de correr afastou-se do ciclismo de foram radical, não mais assistindo corridas ou dando entrevistas. Tornou-se um ermitão até quase o fim da vida, quando pareceu ter sentido saudades do ciclismo.
Bom, e aí vieram os irmãos Schecks ... será que os luxemburgueses terão de esperar até 2040 para sorrir de novo?
Quem tinha Andy Schleck como ídolo? Gostaria de saber.
Foto: a fera e seu algoz. Aparentemente, bons amigos desde sempre.
