Pode a fisiologia ser usada como um indicador para o doping?
Posted: Fri 31 Jul 2015 18:11
Desempenho no ciclismo: O que é possível? Pode a fisiologia ser usada como um indicador do doping? (Adaptação do texto de autoria do fisiologista Ross Tucker)
Estimativa e assunção:
Como ponto de partida, gostaria de falar brevemente sobre estimativa e assunção x medição. O ideal seria conseguir dados sobre a leitura dos potenciômetros SRM das bicicletas dos ciclistas após as escaladas, demonstrando com precisão a potência resultante em dado período. Como esses dados são altamente sigilosos e mantidos em segredo pelas equipes, espero ilustrar no texto a seguir que os desvios nos cálculos estimativos, realizados por fisiologistas e estudiosos independentes, podem tanto ser minimizados quanto controlados, dando ao leitor a oportunidade de elucidar a questão com clareza.
Uma situação análoga é a preparação de um modelo de negócio e todas variáveis envolvidas no processo. Tomemos como exemplo uma loja de café. Não é possível saber antecipadamente quantas xícaras serão vendidas ou quantos biscoitos terão que ser assados. Mas se você conhece o mercado e as pessoas (seus futuros clientes) é possível controlar as suposições e percorrer um longo caminho até chegar a uma conclusão viável. Se o empreendedor fez "a melhor estimativa" e ainda assim seu negócio deu prejuízo, então ele claramente não é viável. Por outro lado, se no "pior cenário" estimado (poucos clientes, poucas vendas) for capaz de gerar lucro, então o negócio funciona. Assunções realistas e sensatas são a chave para assegurar que uma conclusão é precisa, mesmo na ausência de uma bola de cristal. A mesma abordagem pode ser utilizada para cálculos fisiológicos. Usando suposições e estimativas aproximadas, é possível determinar se a algo parece ou não se encaixar dentro de um recorte de fenômenos científicos coerentes e então levantar a suspeita de que há algo errado.
Não estou tentando provar nada aqui, mas apenas analisando o problema (o que é realista e o que não é) do ponto de vista da fisiologia e tentando estimular o debate em torno do assunto.
Um caso extremo - as implicações fisiológicas de 8 W/kg por 40 minutos:
Digamos que um ciclista seja capaz de produzir 8W/kg. Assuma que sua massa é 70 kg, o que significa uma potência absoluta de 560W, obviamente muito elevada. A fim de analisar as implicações fisiológicas do consumo de oxigênio, existem dois métodos possíveis.
MÉTODO 1 - Envolve a metodologia publicada no trabalho científico chamado "potência de pico de consumo de oxigênio e a previsão do desempenho do tempo máximo em ciclistas treinados" [1]. Este estudo analisou 100 ciclistas treinados e estabeleceu a seguinte relação entre o consumo de oxigênio (VO²) e produção de potência:
VO² (L / min) = (0,01141 x Potência) + 0,435.
Portanto, se a potência de 560W for aplicada na equação acima, o cálculo resultante do consumo de oxigênio será de 6,82 L/min. Em relação à massa corporal, o resultado é de 97,49 ml/ kg/min.
MÉTODO 2 - Para efeito de comparação, o segundo método exige que seja levado em consideração o cálculo do gasto energético real necessário para produzir os 560W, tendo como premissa o fato de que os ciclistas não são perfeitamente eficientes. Ciclistas de elite apresentam apenas 23% de eficiência aproximadamente. O que isso significa é que um ciclista pedalando a 560W está de fato produzindo 2.435W. Baseado neste cálculo preliminar, temos a eficiência como primeira hipótese. A eficiência de Lance Armstrong foi medida em 23,12%. Outros estudos resultaram em porcentagens variando entre 21% e 27%, embora valores de mais de 25% sejam debatíveis e basicamente descartados como números confiáveis para aplicação no campo científico. Não obstante a polêmica em torno da questão, a eficiência da maioria dos ciclistas situa-se em torno de 23% e uma vez que Armstrong atingiu tal valor, vou usá-lo como parâmetro para o restante do cálculo.
Levando em conta todas as variáveis apontadas acima (massa, potência e eficiência), a energia total pode agora ser usada para o cálculo do consumo de oxigênio. Isto requer o conhecimento prévio de todos os fatores envolvidos no cálculo de reserva de energia na fisiologia. Sabe-se que cada litro de oxigênio usado produz entre 4,69 e 5,05 kCal, dependendo se a gordura ou carboidratos estão sendo utilizados no teste. Essa é a próxima suposição: - Qual desses dois números pode ser usado como base de cálculo? 4,69 ou 5,05kCal? A resposta é o número maior por duas razões: Uma delas é que o valor de 5,05kCal é fisiologicamente razoável, tendo em vista que durante o esforço máximo o ciclista atingirá o limiar usando carboidratos. A segunda é que se trata da abordagem mais "conservadora" ou "melhor cenário", como explicado anteriormente. Dessa forma, usarei como exemplo os 5,05 kcal/L O². O próximo passo é o calcular o consumo de oxigênio para uma dada potência em uma determinada eficiência.
O exemplo extrapolado de 560 W que utilizei, produz um consumo de oxigênio de 6,91 L/min, ou 98,71 ml/ kg/min. Note que este valor é semelhante aos 97,91 ml/kg/min calculados usando o método 1. Isso sugere que as premissas acima (23% de eficiência e uso de energia por litro de oxigênio) estão corretas. Exclui deliberadamente os parâmetros de vias independentes não oxigenadas (a chamada contribuição anaeróbia) para o cálculo de energia. Embora obviamente importantes, o exemplo aqui é demonstrar a possibilidade da produção de uma alta potência sustentada por 40 minutos no final de uma etapa de 5 horas de duração, e não picos de potência resultantes de esforço máximo anaeróbio durante breves períodos.
Concluído o cálculo hipotético de consumo de oxigênio de 97.9 ml/kg/min, como um fisiologista interpretaria esses números em seu laboratório? Creio que antes de tudo checaria a calibragem de seus equipamentos, pois claramente há algo de anormal com este resultado. Levando-se em conta todas as implicações fisiológicas, se um ciclista fosse capaz de produzir uma potência de 8W/kg por 40 minutos, o fisiologista responsável pelo teste checaria a bicicleta à procura de um motor elétrico escondido, tamanha a incredulidade da façanha.
Se assumirmos, por exemplo, que um ciclista pode manter 90% do seu nível máximo durante 40 minutos, então o consumo de oxigênio de 97.9 ml/kg/min corresponderia a um VO² max de 110 ml/kg/min, claramente levantando todas as suspeitas possíveis e imagináveis.
Dessa forma, como construir um modelo hipotético para demonstrar como seria possível um ciclista produzir a potência de 8W/kg, assumindo que seu VO²max é de 80 ml/kg/min? Para tanto, a eficiência de um ciclista teria que ser em torno de 32%, uma porcentagem muito maior do que qualquer outra jamais medida. À guisa de exemplificação, se fosse possível produzir uma potência 9 de W/kg, seria necessário um indíviduo com VO² max de 80 ml/ kg/ min e eficiência de 35%. De qualquer forma, um ciclista com eficiência de 23% teria um VO² max de 123 ml/kg/min. Isso simplesmente é impossível, assim como produzir 8W ou 9W/kg durante 40 minutos. A próxima análise parte de um pressuposto muito mais conservador: o ciclista bem condicionado.
O ciclista"low end" - 4 W/kg durante 40 minutos:
A maioria dos ciclistas bem condicionados é capaz de produzir essa potência. Em diversos laboratórios, um número considerável de ciclistas aspirantes ao nível profissional já atingiu esta relação peso/potência e isso é o que se espera de um atleta de nível decente. Sabe-se que um ciclista bem treinado é capaz de atingir um VO²max de cerca de 60ml/kg/min.
Utilizando o mesmo modelo anterior, o consumo de oxigênio associado a este desempenho pode ser estimado em 280 W, resultando em 51,9 ml /kg/min. Caso seja aplicado o método 2 (eficiência de 23% como base de cálculo), o resultado será de 49,4 ml/kg/ min. O motivo do valor menor obtido pelo método 2, é devido a improbabilidade de um indivíduo capaz de uma eficiência de 23%. Se, por exemplo, for utilizada a porcentagem de 22%, chega-se ao valor de 51,6ml/kg/min., demonstrando que a eficiência de 23% pode ser assumida como uma estimativa bastante segura.
Portanto, se o ciclista “low end” for capaz de manter 90% da potência máxima por 40 min, seu VO²max resultaria em 57,6 ml/kg/min, um valor perfeitamente razoável. Saliento novamente que o valor baixo deve ser encarado como resultado da metodologia “conservadora” utilizada até aqui.
O pressuposto fundamental a este respeito é assumir os 90% como potência máxima. Na realidade, um ciclista com bom nível de condicionamento consegue manter-se a 85% do máximo, o que significa que o valor de VO²max inferido sobe repentinamente para 61ml/kg/min. Fisiologistas independentes argumentam que um ciclista escalando a montanha final da etapa do dia em um Grand Tour, estará mais próximo dos 85% do que dos 90%, uma vez que já pedalou por cinco horas aproximadamente. No entanto, essa suposição é discutível. E aí é onde reside o problema, pois os fisiologistas a serviço dos interesses das equipes tratam suposições seguras e razoáveis como irrealistas e conspiratórias, ao tempo em que suprimem o debate em torno do assunto e manipulam os dados como melhor lhes convier.
Até aqui foram abordados dois extremos: o caso do ciclista supostamente capaz de sustentar 8W/kg de potência e que simplesmente não existe, e o oposto da balança, mostrando números de potência perfeitamente possíveis e até mesmo um pouco conservadores demais para um atleta bem condicionado. Há um meio termo, onde estão situados os ciclistas do pelotão profissional de elite e este é o grupo mais interessante desta análise.
Bjarne Riis - 6,8 W/kg durante 35 minutos em Hautacam e Armstrong - 6,6 W/kg para 38 min em Alpe d'Huez:
Quando venceu o Tour de France em 1996, estima-se que Bjarne Riis tenha produzido 6,8W/kg (480W) em Hautacam. Armstrong em Alpe d'Huez produziu 6,6 W/kg (465W). Estas são as estimativas de Antoine Vayer e Frédéric Portoleau, as quais foram corroboradas por um estudante PhD do Texas durante a apresentação de uma análise semelhante na Conferência ACSM em 2005. Utilizando dados adicionais como a inclinação da escalada a cada 100m, bem como a velocidade do vento, o universitário chegou ao valor de 495W (7 W/kg).
Para ter idéia das implicações fisiológicas e não sair da metodologia “conservadora” proposta, usarei os números mais baixos obtidos por Vayer e Portoleau como base de cálculo para o desempenho de Armstrong.
Se for assumida a eficiência de 23% (no caso de Armstrong não é um pressuposto, pois foi efetivamente medida por seu fisiologista pessoal, Edward F. Coyle, PhD da Universidade do Texas), a produção de oxigênio necessária para gerar a potência de 465 W é igual a 81,96 ml/kg/min. Aplicando esses valores na equação explicada no método 1, a produção de oxigênio resultante é de 82,00 ml/kg/min e praticamente idêntica ao resultado obtido pelo método da eficiência .
É possível pedalar a 81,96 ml/kg/min durante quase 40 minutos? Se estivesse a 90% do esforço máximo significaria que o VO²max seria igual a 91,07 ml/kg/ min. Se um ciclista está em 85% do máximo, a máxima real será de 96,42 ml/kg/ min. Considerando que este desempenho costuma ocorrer 5 horas após o início da etapa e depois de 2 longas e extenuantes semanas de um Grand Tour, é seguro projetar um valor de VO²max em torno de 91 e 96 ml/kg/min, provavelmente mais perto de 96 ml/kg/min.
Outro exemplo a ser considerado vem das próprias palavras de Armstrong. Nesta entrevista (http://www.pezcyclingnews.com/?pg=fullstory&id=1961" target="_blank), ele diz: "Eu consegui gerar 495 watts por mais de 30 minutos". 495 W equivalem a cerca de 7W/kg. Aplicando esses valores nas equações acima mencionadas, Armstrong precisaria de um consumo de oxigênio de 87 ml/kg/min e um VO²max de 97 ml/kg/min (e isso a a 90% do máximo. Se for usado como base 85%, o valor resultante é de 103 ml/kg/min.).
Será possível um ciclista profissional atingir esses números? Creio que a resposta para esta questão não depende do que cada um sabe ou não sobre fisiologia, metodologia científica, etc., mas sim no quer acreditar.
Por tudo o quanto exposto e após a leitura de diversos livros e artigos sobre o assunto, minha opinião é que não é possível, pois a combinação de alta eficiência (23% é um número alto) e alto VO²max parece não existir. Na verdade, Lúcia et al. demonstraram que "houve uma relação inversa, de modo que indivíduos com a melhor eficiência tiveram o menor VO²max [2]" (sic). Assim, se algum fisiologista sugerir que é necessário aumentar a eficiência para baixar o valor previsto de VO²max, tenha certeza que estará a frente de um apedeuta e/ou embusteiro perseguindo o pote de ouro no final do arco-íris, pois o valor possível do VO²max estará caindo de qualquer maneira.
Compartilho da opinião do Prof. Aldo Sassi (http://www.cyclingnews.com/news/sassi-t ... -zoncolan/" target="_blank), de que qualquer valor acima de 6,2 W/kg é indicativo de doping.
[1] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1505544
[2] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12471319


Estimativa e assunção:
Como ponto de partida, gostaria de falar brevemente sobre estimativa e assunção x medição. O ideal seria conseguir dados sobre a leitura dos potenciômetros SRM das bicicletas dos ciclistas após as escaladas, demonstrando com precisão a potência resultante em dado período. Como esses dados são altamente sigilosos e mantidos em segredo pelas equipes, espero ilustrar no texto a seguir que os desvios nos cálculos estimativos, realizados por fisiologistas e estudiosos independentes, podem tanto ser minimizados quanto controlados, dando ao leitor a oportunidade de elucidar a questão com clareza.
Uma situação análoga é a preparação de um modelo de negócio e todas variáveis envolvidas no processo. Tomemos como exemplo uma loja de café. Não é possível saber antecipadamente quantas xícaras serão vendidas ou quantos biscoitos terão que ser assados. Mas se você conhece o mercado e as pessoas (seus futuros clientes) é possível controlar as suposições e percorrer um longo caminho até chegar a uma conclusão viável. Se o empreendedor fez "a melhor estimativa" e ainda assim seu negócio deu prejuízo, então ele claramente não é viável. Por outro lado, se no "pior cenário" estimado (poucos clientes, poucas vendas) for capaz de gerar lucro, então o negócio funciona. Assunções realistas e sensatas são a chave para assegurar que uma conclusão é precisa, mesmo na ausência de uma bola de cristal. A mesma abordagem pode ser utilizada para cálculos fisiológicos. Usando suposições e estimativas aproximadas, é possível determinar se a algo parece ou não se encaixar dentro de um recorte de fenômenos científicos coerentes e então levantar a suspeita de que há algo errado.
Não estou tentando provar nada aqui, mas apenas analisando o problema (o que é realista e o que não é) do ponto de vista da fisiologia e tentando estimular o debate em torno do assunto.
Um caso extremo - as implicações fisiológicas de 8 W/kg por 40 minutos:
Digamos que um ciclista seja capaz de produzir 8W/kg. Assuma que sua massa é 70 kg, o que significa uma potência absoluta de 560W, obviamente muito elevada. A fim de analisar as implicações fisiológicas do consumo de oxigênio, existem dois métodos possíveis.
MÉTODO 1 - Envolve a metodologia publicada no trabalho científico chamado "potência de pico de consumo de oxigênio e a previsão do desempenho do tempo máximo em ciclistas treinados" [1]. Este estudo analisou 100 ciclistas treinados e estabeleceu a seguinte relação entre o consumo de oxigênio (VO²) e produção de potência:
VO² (L / min) = (0,01141 x Potência) + 0,435.
Portanto, se a potência de 560W for aplicada na equação acima, o cálculo resultante do consumo de oxigênio será de 6,82 L/min. Em relação à massa corporal, o resultado é de 97,49 ml/ kg/min.
MÉTODO 2 - Para efeito de comparação, o segundo método exige que seja levado em consideração o cálculo do gasto energético real necessário para produzir os 560W, tendo como premissa o fato de que os ciclistas não são perfeitamente eficientes. Ciclistas de elite apresentam apenas 23% de eficiência aproximadamente. O que isso significa é que um ciclista pedalando a 560W está de fato produzindo 2.435W. Baseado neste cálculo preliminar, temos a eficiência como primeira hipótese. A eficiência de Lance Armstrong foi medida em 23,12%. Outros estudos resultaram em porcentagens variando entre 21% e 27%, embora valores de mais de 25% sejam debatíveis e basicamente descartados como números confiáveis para aplicação no campo científico. Não obstante a polêmica em torno da questão, a eficiência da maioria dos ciclistas situa-se em torno de 23% e uma vez que Armstrong atingiu tal valor, vou usá-lo como parâmetro para o restante do cálculo.
Levando em conta todas as variáveis apontadas acima (massa, potência e eficiência), a energia total pode agora ser usada para o cálculo do consumo de oxigênio. Isto requer o conhecimento prévio de todos os fatores envolvidos no cálculo de reserva de energia na fisiologia. Sabe-se que cada litro de oxigênio usado produz entre 4,69 e 5,05 kCal, dependendo se a gordura ou carboidratos estão sendo utilizados no teste. Essa é a próxima suposição: - Qual desses dois números pode ser usado como base de cálculo? 4,69 ou 5,05kCal? A resposta é o número maior por duas razões: Uma delas é que o valor de 5,05kCal é fisiologicamente razoável, tendo em vista que durante o esforço máximo o ciclista atingirá o limiar usando carboidratos. A segunda é que se trata da abordagem mais "conservadora" ou "melhor cenário", como explicado anteriormente. Dessa forma, usarei como exemplo os 5,05 kcal/L O². O próximo passo é o calcular o consumo de oxigênio para uma dada potência em uma determinada eficiência.
O exemplo extrapolado de 560 W que utilizei, produz um consumo de oxigênio de 6,91 L/min, ou 98,71 ml/ kg/min. Note que este valor é semelhante aos 97,91 ml/kg/min calculados usando o método 1. Isso sugere que as premissas acima (23% de eficiência e uso de energia por litro de oxigênio) estão corretas. Exclui deliberadamente os parâmetros de vias independentes não oxigenadas (a chamada contribuição anaeróbia) para o cálculo de energia. Embora obviamente importantes, o exemplo aqui é demonstrar a possibilidade da produção de uma alta potência sustentada por 40 minutos no final de uma etapa de 5 horas de duração, e não picos de potência resultantes de esforço máximo anaeróbio durante breves períodos.
Concluído o cálculo hipotético de consumo de oxigênio de 97.9 ml/kg/min, como um fisiologista interpretaria esses números em seu laboratório? Creio que antes de tudo checaria a calibragem de seus equipamentos, pois claramente há algo de anormal com este resultado. Levando-se em conta todas as implicações fisiológicas, se um ciclista fosse capaz de produzir uma potência de 8W/kg por 40 minutos, o fisiologista responsável pelo teste checaria a bicicleta à procura de um motor elétrico escondido, tamanha a incredulidade da façanha.
Se assumirmos, por exemplo, que um ciclista pode manter 90% do seu nível máximo durante 40 minutos, então o consumo de oxigênio de 97.9 ml/kg/min corresponderia a um VO² max de 110 ml/kg/min, claramente levantando todas as suspeitas possíveis e imagináveis.
Dessa forma, como construir um modelo hipotético para demonstrar como seria possível um ciclista produzir a potência de 8W/kg, assumindo que seu VO²max é de 80 ml/kg/min? Para tanto, a eficiência de um ciclista teria que ser em torno de 32%, uma porcentagem muito maior do que qualquer outra jamais medida. À guisa de exemplificação, se fosse possível produzir uma potência 9 de W/kg, seria necessário um indíviduo com VO² max de 80 ml/ kg/ min e eficiência de 35%. De qualquer forma, um ciclista com eficiência de 23% teria um VO² max de 123 ml/kg/min. Isso simplesmente é impossível, assim como produzir 8W ou 9W/kg durante 40 minutos. A próxima análise parte de um pressuposto muito mais conservador: o ciclista bem condicionado.
O ciclista"low end" - 4 W/kg durante 40 minutos:
A maioria dos ciclistas bem condicionados é capaz de produzir essa potência. Em diversos laboratórios, um número considerável de ciclistas aspirantes ao nível profissional já atingiu esta relação peso/potência e isso é o que se espera de um atleta de nível decente. Sabe-se que um ciclista bem treinado é capaz de atingir um VO²max de cerca de 60ml/kg/min.
Utilizando o mesmo modelo anterior, o consumo de oxigênio associado a este desempenho pode ser estimado em 280 W, resultando em 51,9 ml /kg/min. Caso seja aplicado o método 2 (eficiência de 23% como base de cálculo), o resultado será de 49,4 ml/kg/ min. O motivo do valor menor obtido pelo método 2, é devido a improbabilidade de um indivíduo capaz de uma eficiência de 23%. Se, por exemplo, for utilizada a porcentagem de 22%, chega-se ao valor de 51,6ml/kg/min., demonstrando que a eficiência de 23% pode ser assumida como uma estimativa bastante segura.
Portanto, se o ciclista “low end” for capaz de manter 90% da potência máxima por 40 min, seu VO²max resultaria em 57,6 ml/kg/min, um valor perfeitamente razoável. Saliento novamente que o valor baixo deve ser encarado como resultado da metodologia “conservadora” utilizada até aqui.
O pressuposto fundamental a este respeito é assumir os 90% como potência máxima. Na realidade, um ciclista com bom nível de condicionamento consegue manter-se a 85% do máximo, o que significa que o valor de VO²max inferido sobe repentinamente para 61ml/kg/min. Fisiologistas independentes argumentam que um ciclista escalando a montanha final da etapa do dia em um Grand Tour, estará mais próximo dos 85% do que dos 90%, uma vez que já pedalou por cinco horas aproximadamente. No entanto, essa suposição é discutível. E aí é onde reside o problema, pois os fisiologistas a serviço dos interesses das equipes tratam suposições seguras e razoáveis como irrealistas e conspiratórias, ao tempo em que suprimem o debate em torno do assunto e manipulam os dados como melhor lhes convier.
Até aqui foram abordados dois extremos: o caso do ciclista supostamente capaz de sustentar 8W/kg de potência e que simplesmente não existe, e o oposto da balança, mostrando números de potência perfeitamente possíveis e até mesmo um pouco conservadores demais para um atleta bem condicionado. Há um meio termo, onde estão situados os ciclistas do pelotão profissional de elite e este é o grupo mais interessante desta análise.
Bjarne Riis - 6,8 W/kg durante 35 minutos em Hautacam e Armstrong - 6,6 W/kg para 38 min em Alpe d'Huez:
Quando venceu o Tour de France em 1996, estima-se que Bjarne Riis tenha produzido 6,8W/kg (480W) em Hautacam. Armstrong em Alpe d'Huez produziu 6,6 W/kg (465W). Estas são as estimativas de Antoine Vayer e Frédéric Portoleau, as quais foram corroboradas por um estudante PhD do Texas durante a apresentação de uma análise semelhante na Conferência ACSM em 2005. Utilizando dados adicionais como a inclinação da escalada a cada 100m, bem como a velocidade do vento, o universitário chegou ao valor de 495W (7 W/kg).
Para ter idéia das implicações fisiológicas e não sair da metodologia “conservadora” proposta, usarei os números mais baixos obtidos por Vayer e Portoleau como base de cálculo para o desempenho de Armstrong.
Se for assumida a eficiência de 23% (no caso de Armstrong não é um pressuposto, pois foi efetivamente medida por seu fisiologista pessoal, Edward F. Coyle, PhD da Universidade do Texas), a produção de oxigênio necessária para gerar a potência de 465 W é igual a 81,96 ml/kg/min. Aplicando esses valores na equação explicada no método 1, a produção de oxigênio resultante é de 82,00 ml/kg/min e praticamente idêntica ao resultado obtido pelo método da eficiência .
É possível pedalar a 81,96 ml/kg/min durante quase 40 minutos? Se estivesse a 90% do esforço máximo significaria que o VO²max seria igual a 91,07 ml/kg/ min. Se um ciclista está em 85% do máximo, a máxima real será de 96,42 ml/kg/ min. Considerando que este desempenho costuma ocorrer 5 horas após o início da etapa e depois de 2 longas e extenuantes semanas de um Grand Tour, é seguro projetar um valor de VO²max em torno de 91 e 96 ml/kg/min, provavelmente mais perto de 96 ml/kg/min.
Outro exemplo a ser considerado vem das próprias palavras de Armstrong. Nesta entrevista (http://www.pezcyclingnews.com/?pg=fullstory&id=1961" target="_blank), ele diz: "Eu consegui gerar 495 watts por mais de 30 minutos". 495 W equivalem a cerca de 7W/kg. Aplicando esses valores nas equações acima mencionadas, Armstrong precisaria de um consumo de oxigênio de 87 ml/kg/min e um VO²max de 97 ml/kg/min (e isso a a 90% do máximo. Se for usado como base 85%, o valor resultante é de 103 ml/kg/min.).
Será possível um ciclista profissional atingir esses números? Creio que a resposta para esta questão não depende do que cada um sabe ou não sobre fisiologia, metodologia científica, etc., mas sim no quer acreditar.
Por tudo o quanto exposto e após a leitura de diversos livros e artigos sobre o assunto, minha opinião é que não é possível, pois a combinação de alta eficiência (23% é um número alto) e alto VO²max parece não existir. Na verdade, Lúcia et al. demonstraram que "houve uma relação inversa, de modo que indivíduos com a melhor eficiência tiveram o menor VO²max [2]" (sic). Assim, se algum fisiologista sugerir que é necessário aumentar a eficiência para baixar o valor previsto de VO²max, tenha certeza que estará a frente de um apedeuta e/ou embusteiro perseguindo o pote de ouro no final do arco-íris, pois o valor possível do VO²max estará caindo de qualquer maneira.
Compartilho da opinião do Prof. Aldo Sassi (http://www.cyclingnews.com/news/sassi-t ... -zoncolan/" target="_blank), de que qualquer valor acima de 6,2 W/kg é indicativo de doping.
[1] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1505544
[2] http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12471319

