Algumas coisas estão andando mais rápido que esperado, então decidí voltar aqui e mostrar os resultados recentes do meu programa de treinamento. Claro que cada um tem sua fisiologia, mas eu não podia ver esses números gritando na tela do GC (Golden Cheetah) e não vir aqui bater um papo sobre eles.
“Você tem o que você treina!”
Se você clicou desavisadamente aqui, deixe-me explicar o que vou falar. W’bal é a sua caixa de fósforos que temos para queimar. Mestre Clythio já dizia há muito tempo atrás no conselho Jedi: “O que você treina, tem você.” Ou seja, não espere fazer 20 mil km ao ano, com médias de 25h semanais sempre no rítmo de passeio e conseguir suportar a pauleira de um critério, cuja função é fechar o gap (distâncias entre dois grupemos) com variação súbita de cadência/potência.
Voltando para a caixa de fósforos. Toda potência acima do seu valor de CP é o limite do W’bal. Em miúdos, é a sua resistência ao sofrimento. Como você vai conseguir suportar isso, será o seu problema (ainda mais importante ler nosso próximo post). Bem, há um mês eu decidí que ia aproveitar a quarentena para melhorar. Não sabemos quando a vida voltará ao normal, nem o que isso significará no futuro. Então, ressuscitei meu turbo trainer. Nos primeiros treinos, já tinha notado o que estava bom e o que estava ruim. Montei minha planilha de treinos e toquei o pau. Sempre errando e acertando. Muito mais errando, aliás.
Só que agora os resultados estão chegando. Nada mais natural que comparar o que os números me falam. A Figura 1 mostra a sessão Sufferfest: G.O.A.T., que é um treino em baixa cadência e no limiar do valor CP60. Não confunda CP com FTP. Apesar de serem conceitos semelhantes, cada um significa algo diferente. Um aponta qual é sua potência crítica (CP 60 = 60 minutos) no intervalo de tempo, ou seja, a quantidade de watts que consegue se gerar antes da falha muscular. O outro é a métrica que lhe indica qual a potência máxima que pode ser sustentada em 60 minutos em que seu organismo é capaz de lidar com todo o lactato gerado pelo esforço físico. Em miúdos, um é falha enquanto o outro é tolerância. Claro feito cristal, seguimos em frente.
Há um mês (23/04/2020), fiz essa sessão. Hoje (22/05/2020), repetí.
E daí?
E daí que eu melhorei pra c******! Explico à seguir. Na primeira sessão eu sofri muito. Estava me sentindo forte e quis impressionar os coleguinhas do Strava. Quem me acompanha, sabe que posto alguns comentários de cada sessão realizada. Na época, eu escrevi: “Treino duro, muito duro. Praticamente um leg press no turbo trainer. Primeiros intervalos com 30-50W acima do threshold, mas as pernas queimaram no quinto intervalo e por pouco não consigo terminar. O Wbal caiu para 8 kJ. Nos demais intervalos consegui alguma recuperação, terminando próximo à 12-13 kJ. Houve uma diferença considerável entre os valores de distância entre o app (Sufferfest) e a medição no Garmin. Dados do Garmin, abaixo.” Esperei dois dias e fui à rua, pegar um pouco de vitamina D (ainda não estávamos em quarentena mais restrita aqui na RMR). Mesmo cansado, senti a sessão forte. Cheguei a desconfiar do PM, mas estava tudo OK. Tinha realmente melhorado.
Os Resultados
Alguns dias depois, os números principais mudaram e ajustei meu W’bal de 19kJ para 20kJ. Entre datas houve várias sessões de treino intermitente/intervalado. Na Figura 2, temos a potência (W) no primeiro quadro, o W’bal (kJ) no segundo e minha FC (bpm) no terceiro.
Sabendo agora quais variações esperar, pude dosar um pouco mais o rítmo. Aquecimento parecido. Primeiros intervalos mais comedidos e dentro da cadência solicitada na sessão. O intervalo crítico desse treino é o quinto intervalo. Duro, as pernas já saturadas, muito ainda por vir, é onde se espera parar ou sobrar. Isso quase acontece na sessão do dia 23 de abril, mas observe o W’bal. Se não tivesse interrompido, cairia para cerca de 8 kJ. Isso me diz que fibras tipo I precisam mais condicionamento para esse nível de recrutamento. Poucos segundo de alívio, recupera o W’bal, que volta a crescer, mostrando certa adaptação fisiológica às demandas do treino. FC estabiliza, e o que tiver no tanque será em hipóxia (atividade muscular em déficit de oxigênio).
Observa-se que houve uma queda na potência do intervalo da sessão anterior que não ocorreu na sessão mais recente (ver Figura 3). Os intervalos foram mais uniformes, potência melhor distribuída, com resultados globais semelhantes e menos sofrimento. O W’bal e FC seguem comportamentos semelhantes após o quinto intervalo.
Conclusões Rápidas
Com isso, todas as sessões de treinamento até aqui tem mostrado seu valor. Terminei o treino hoje com a sensação de dever cumprido e a certeza de estar no caminho certo. Como sempre, abro a discussão para trocarmos idéias e informações.
Um grande abraço!
Sobre o autor
Pedro Anselmo Filho, Ph.D. é engenheiro mecânico e professor, com doutorado em combustão pela Universidade de Cambridge e mestrado em energia aplicada pela Universidade de Cranfield. Leciona para os cursos de Engenharia Mecânica e Automação e Controle da Universidade de Pernambuco (UPE) e nos cursos avançados da Escola Americana do Recife. Pedala sem rodinhas desde os 4 anos e ciclista entusiasta que gosta muito de estudar sobre potência. Seu email para contato é pedro.anselmo.filho@gmail.com e clique aqui para ter acesso ao seu Strava.
Muito boa serie, pretende continuar?
Tenho certeza que o Pedro não para! Abs
Sim, Craveiro. Semana que vem essa série terá um novo capítulo.