Como foi o seu 2019? Se foi mediano, então prepare-se para um 2020 melhor.

Pedro Anselmo

Mudar o treinamento e sair da zona de conforto para melhor FTP

Pedro Anselmo Filho, engenheiro mecânico e professor doutor na Universidade de Pernambuco

Final de ano, muita gente já se preparando para as festas e sempre vem à tona grandes discussões como os objetivos alcançados, as novas resoluções para 2020 e se é certo colocar uva-passa no arroz. Preferências à parte, o que você leitora e leitor deve estar também pensando, é como eu vou montar o meu plano de treinamento para esse novo ano.


Eu vou começar esse post, falando do final de meu 2019. A foto de capa desse post, é o registro da partida de meu sprint com o Pelote que acontece aqui na Via Mangue, no Recife, do último dia 07 de novembro. O que deve terminar muito bem, começou de uma maneira muito triste e com muita dor, fazendo repouso na cama, cirurgia (ver Figura 1) e quatro pinos no tornozelo direito, resultado de uma lesão variante de Maisonneuve (tornozelo, sindesmose e fíbula). Confesso que naquela primeira semana de janeiro eu tinha sérias dúvidas se voltaria a ser capaz de pedalar bem novamente (ver Figura 2) e cheguei até a anunciar algumas coisas para vender. Em fevereiro, cheguei a por 11 kg de sobrepeso, bati 27% de gordura corporal, o que é muito para um ser baixinho igual a mim.

Figura 1 – Pós-operatório da fratura do tornozelo direito.

 

Figura 2 – Raio-X da fratura do tornozelo direito (PAF arquivo pessoal)

Pedalar à nível amador com sobrepeso significativo mantendo uma performance esportiva aceitável (FTP acima de 200W, VAM em torno de 800 m/h para pendências de 5%, capacidade física para fazer longões com 100+ km) é muito difícil, porém não impossível. Já tive meus melhores dias pesando mais de 80 kg, mas W/kg serão sempre W/kg. Embora o ciclismo seja um esporte muito democrático, ele cobra seu preço para quem tem um FTP específico baixo (< 2,5 W/kg). Como Recife é muito plana, dá para enganar bem e acompanhar a maioria dos pelotes locais, mesmo com pouco condicionamento.

A Decisão de Mudar

Sabe aquelas noites insones, que refletimos sobre o que precisa mudar e deve mudar? Colocar o pé no chão no dia 14/01/2019 me fez prometer que a vida seria mais saudável e o esporte que eu amo seria melhor praticado. Precisava disso tanto para minha saúde física quanto mental. Sete meses depois do meu acidente, eu já estava pedalando melhor do que antes, correndo distâncias mais longas e com o peso normal para meu biotipo. Meu percentual de gordura corporal atual está na faixa dos 15%, nada mal para um coroa.

A meta é bater 10% e estabilizar em 3,75 W/kg de FTP. O que será feito para alcançar isso e como foi feito até agora, podemos trocar idéias nos comentários e até mesmo podemos abordar o assunto em futuros posts. Antes de prosseguir, peço a você que lembre-se sempre ao longo dessa leitura que duas coisas foram necessárias e são itens sine qua non para o sucesso de qualquer plano de treinamento: muita paciência e um excelente planejamento. Sem paciência, não se atinge o objetivo para aquele micro-ciclo e os resultados do meso-ciclo não acontecem. Planejamento é tudo isso que faz acontecer. Então, segue abaixo alguns passos do que aconteceu e como o HIIT me ajudou a conseguir bons resultados.

Incorpore o treinamento de musculação e de mobilidade articular na sua rotina.

Numa avaliação física, foi constatado que meu core estava muito fraco e havia uma sobrecarga nos glúteos máximos e médios, provavelmente por uma deficiência postural que gerava um dores sacroilíacas. Eu já vinha investindo em um programa de fortalecimento muscular pós-lesão, com máquinas, supervisionado por um profissional dedicado e qualificado nessa  especialidade (os anos de 2017 e 2018 também não foram nada fáceis). Desde abril de 2018, estava focado nos exercícios exclusivos de alongamento e fortalecimento isométrico, muito animado para iniciar 2019 com um planejamento de macro e micro-periodização.

Até dezembro 2018, o treinamento funcional seria o meu dia-a-dia. Junho 2018 começou com o final das dores crônicas do quadril e o core já dava sinais que ainda existia. Treinamento sério na bicicleta era mais uma vontade do que um plano real, mas o commute de bike para o trabalho estava bem presente na minha rotina. Eu decidi que não ia perder aquele ganho de mobilidade apenas por causa de uma fratura. Ainda de robot foot ia para a academia quase que diariamente (Vídeo 1).

Vídeo 1 – Treinamento de membros superiores
durante a recuperação da fratura (janeiro 2019).

Um bom profissional de nutrição vai te guiar no processo.

Mesmo com um bom condicionamento muscular e aeróbio, eu ainda estava pesado, no limite. Já tinha passado por várias dietas com relativo sucesso, mas a rotina não me ajudava. Muitas horas trabalhando, alimentação totalmente desbalanceada para meu biotipo. Isso me desanimava muito, pois ficava sem força para reagir nenhum ataque e qualquer subida de 1% me metia medo.

Quando encontrei um profissional de nutrição que me garantiu perder peso sem muito sofrimento, de forma mais lenta, porém consistente, eu fiquei um pouco desconfiado. Minha consulta foi muito mais sobre quem eu era do que sobre comida. Deu certo e a perda do excesso da minha fofura foi rápida. Em dois meses já tinha perdido o peso equivalente ao da minha bicicleta. À partir daí, tudo ficou mais fácil para gerar mais potência.

Se tem pouco tempo para treinar, dê preferência aos treinos de SS (Sweet Spot)

Quem já passou pelo fórum de Treinamento por Potência, sabe que há sete faixas de potência de acordo com Coggan, Allen and McGregor (Training and Racing with a Power Meter, 3rd ed.), de acordo com a Tabela 1. Toda vez que falarmos de L1-L7 estaremos querendo dizer faixas de potência, enquanto que Z1-Z7 são zonas de frequência cardíaca, OK?

Sweet Spot é faixa de potência entre L3 (Tempo) e L4 (Limiar de Lactato). Cerca de 88-93% de seu FTP. Ela é o coringa de qualquer treinamento para quem está parado. Trabalha o aumento do volume do plasma sanguíneo, a quantidade de enzimas das mitocôndrias dos tecidos musculares, a tolerância ao limite de lactato, da reserva de glicogênio muscular, da capilarização muscular e ajuda bem a conversão de fibras musculares tipo IIx para tipo IIa. Isso sem falar do aumento de capacidade aeróbia.

Tabela dos Níveis de Potência Para Treinamento [1]

Nivel

Descrição

% do FTP médio

% da FCLT média

Percepção de Esforço

Duração típica do treinamento

Duração típica dos intervalos

L1

Recuperação Ativa (RA)

< 55

< 68

< 2

30 – 90 min

n/d

L2

Endurance

56 – 75

69 – 83

2 – 3

60 – 300 min

n/d

L3

Tempo

76 – 90

84 – 94

3 – 4

60 – 180 min

n/d

L4

Limiar de Lactato

91- 105

95 – 105

4 – 5

n/d

8 – 30 min

L5

VO2max

106 – 120

> 106

6 – 7

n/d

3 – 8 min

L6

Capacidade Anaeróbia

121 – 150

n/d

> 7

n/d

30 s – 3 min

L7

Potência Neuromuscular

n/d

n/d

Máximo

n/d

< 30 s

É uma faixa de treino específica e tão importante, que Carmichael [2], escreveu um livro de grande sucesso, montando planos de treinamento em SS para quem pouco tempo disponível para treinar. Minha programação partiu dessas duas grandes referências, mas isso será assunto para nosso próximo post. Fique ligado!

Referências (ao som de Marvin Gaye…):

[1] Allen, H., Coggan, A.R. and McGregor, S., 2019. Training and racing with a power meter. VeloPress.

[2] Carmichael, C. and Rutberg, J., 2017. The Time-Crunched Cyclist: Fit, Fast, Powerful in 6 Hours a Week. 3rd ed. VeloPress.


Sobre o autor

Pedro Anselmo Filho é engenheiro mecânico e professor, com doutorado em combustão pela Universidade de Cambridge e mestrado em energia aplicada pela Universidade de Cranfield. Leciona para os cursos de Engenharia Mecânica e Automação e Controle da Universidade de Pernambuco (UPE) e nos cursos avançados da Escola Americana do Recife. Pedala sem rodinhas desde os 4 anos e ciclista entusiasta que gosta muito de estudar sobre potência. Seu email para contato é pedro.anselmo.filho@gmail.com e clique aqui para ter acesso ao seu Strava.

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