Os Marginais, esportistas ocupando o espaço urbano

Esta semana deu o que falar a reportagem de Bruno Romano para o UOL, Marginal sem freio. A reportagem coloca lado a lado desde a história do Pelotão do Jokey cujos primeiros relatos remontam de 50 anos atrás, até a competição não oficial do Rachão do Milão. Em 2018 falei aqui no pelote sobre o Rachão e sigo na mesma linha, agora gostaria de abordar alguns aspectos em paralelo.

Rachão do Milão sucesso entre profissionais e audiência!

Há uma diferença grande entre um treino e uma competição

Treino é treino, corrida é corrida. Isso vale para formula 1 e vale para o ciclismo. Se você já andou em grupo e já competiu nem que seja uma volta no quarteirão, sabe o que estou dizendo. No treino o ritmo é controlado e o pessoal mais forte apenas vai para a ponta do pelote para puxar. Na corrida esse pessoal literalmente quebra quem vem atrás e isso provoca um monte de sobrados. Assim é preciso traçar aqui uma linha que separa um uso de outro.

O “PJ” sempre fez o treino no domingo cedinho, em um horário de pouco fluxo de veículos, ocupando a faixa da direita das marginais. A maioria das vezes no trajeto sul e uma vez por mês fazendo o tradicional trajeto até o aeroporto de Cumbica. Já o Rachão chega ocupar a largura total da marginal, porém há de se ressaltar que sem afetar gravemente o trânsito, uma vez que o fluxo de veículos nesse horário é baixíssimo.

O uso do espaço urbano pelo esportista deveria ser comemorado

Muitos dos críticos desta forma de utilização do espaço urbano apegam-se para a legalidade. Ocorre que a legislação brasileira não ampara nem acompanha o metabolismo urbano. Criam-se leis e regras de utilização generalistas com objetivo de cobrir a população como um todo. Muitas vezes ignorando particularidades. E o ciclista competitivo entra em uma particularidade.

Nenhum novato consegue ficar no PJ se não estiver bem treinado. Enquanto um novato bem treinado não conseguirá concluir o Rachão. Estou aqui falando de uma prática de alto desempenho. São pessoas com faixa etária que vai dos 20 aos 60 anos de idade, bem treinados e conhecedores dos perigos que envolvem um treino ou disputa em estrada. No âmbito da legislação atual é quase impossível criar uma regra que acolha especificamente esse grupo. Assim a companhia de trânsito (CET), prefeitura e polícia militar acabam fazendo vista grossa para a prática.

O uso desse espaço por uma modalidade esportiva deveria ser motivo de comemoração. São pessoas que se organizaram e utilizaram o espaço com relativa segurança e respeito com as demais utilizações do espaço. Não falo claro de fechar uma das vias de maior fluxo de trânsito do continente no horário do rush. Mas sim de utilizar uma das faixas de rolagem em um dos horários de menor fluxo semanal de veículos. Tratar essas pessoas como criminosos é um caso de “crime sem vítima”. em um eventual acidente, são esses praticantes os mais sujeitos a perdas.

Receio é uma operação contra o ciclista competitivo

Afinal o espaço é público, embora feito para automóveis, pode receber ciclistas em treinos e eventuais disputas. A prova é justamente a longevidade da prática sem relatos de grandes incidentes. E o maior receio dos praticantes do PJ (e nessa podemos incluir diversos grupos que utilizam as marginais para treino aos domingos pela manhã) é haver um combate por parte do poder público a prática. Acidentes no ciclismo são comuns, nessa semana o britânico Chris Froome tetracampeão do Tour de France se quebrou todo por uma rajada de vento. O imponderável é parte da prática. Assim não será surpresa um dia acontecer um acidente fatal envolvendo uma das práticas na marginal.

E esse é o nosso maior receio, que um acidente envolvendo um participante do PJ ou do Rachão leve autoridades, sempre imediatistas a promover uma blitz ou algo do gênero contra o ciclista “domingueiro”. Ano passado a CPTM comandou uma operação contra o ciclista de competição ameaçando até o confisco da bicicleta:

http://www.pelote.com.br/bloqueio-contra-excesso-de-velocidade-na-ciclovia-e-a-necessidade-de-uma-zona-de-protecao-ao-ciclismo-de-competicao/

Solução para o ciclismo de competição envolve burocracia

Nestes anos de blogueiro e outra década como entusiasta do ciclismo, conversei com diversos organizadores, membros de federações, diretores de equipe entre outros. Um aspecto é ressonante entre eles. Fazer provas de ciclismo no Brasil tem como maior inimigo o poder público. É isso mesmo, prefeituras, polícia militar e rodoviária são os maiores obstáculos para o ciclismo. Por isso que competições em locais privados (BMX, MTB, Downhill) podem ser realizadas em maior quantidade e qualidade. Para obter autorização para fechamento ainda que parcial de uma via pública o organizador precisa cumprir um verdadeiro calvário de exigências.

Além disso há um problema que inviabiliza a maioria das iniciativas, a taxa de fechamento de via. Seja cobrada pela companhia de trânsito ou pela polícia, é o fator preponderante. Ao contrário de corrida de pedestres, onde organizadores colocam cerca de 10.000 participantes, no ciclismo o número de participantes geralmente fica perto de poucas centenas. E dividir esse custo para um número pequeno de participantes faz a taxa de inscrição ser alta e inviabiliza economicamente o evento.

Área de Proteção ao Ciclismo de Competição

No último mês de maio a prefeitura do Campus da USP estabeleceu regras bastante severas para a prática do ciclismo dentro do Campus. Assim o cerco contra o ciclista de competição vai se fechando. Não pode treinar nas marginais, não pode treinar na USP, não pode treinar na ciclovia.

E a cada julho o telespectador pergunta “Por quê não tem brasileiro disputando o Tour de France?”

Sem local para treinar, relegado praticamente a marginalidade como esporte, fica muito difícil. E nem vou lembrar as federações que parecem capitanias hereditárias. Mas isso é assunto para outro dia.

Os cariocas conseguiram uma área minúscula é verdade mas de proteção ao ciclista de competição. A primeira com apenas 2km de extensão e que permite uma segurança extra ao praticante.

São atitudes e espaços assim que o ciclismo precisa. Quando teremos outro Murilo Fischer, outro Wanderley Magalhães? A cada ano parece mais distante esse dia.

http://www.pelote.com.br/prefeitura-do-campus-da-usp-limita-treinos-de-ciclismo/

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